A Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade do Ministério da Economia (Seae/ME) aconselhou que a Comissão de Valores Mobiliários (CMV) que retire a proibição à “internalização de ordens”. Na realidade, a Seae solicita que a CMV libere o fechamento de negócios com valores mobiliários sem passar pela B3.

Atualmente, o processo acontece da seguinte forma: para fazer a compra e venda de ações, a corretora precisa colocar as ordens dos clientes no pregão e fechar lá o negócio. Nessa intermediação, a bolsa cobra suas taxas.

Com a “internalização”, se duas pessoas possuírem conta numa mesma corretora e uma quiser vender e a outra comprar a mesma ação, a própria corretora junta às duas ordens, sem ter que passar pela bolsa. Isso seria uma forma de oferecer concorrência à B3, a única bolsa do Brasil, e levar à redução das taxas de negociação.

A manifestação por parte da Seae aconteceu porque a CVM chamou uma audiência pública em setembro de 2019 para tratar da reforma da Instrução 461, de 2007, que aborda a infraestrutura e autorregulação do mercado. O prazo para envio de manifestações terminou em junho e agora a CVM prepara a nova norma. A proposta inicial da autarquia é manter o veto à “internalização”.

Mas alguns agentes de mercado se manifestaram contrariamente a isso, o que chamou a atenção da Seae, que preparou, então, um parecer, reforçando a argumentação desses agentes. O documento foi enviado à autarquia no fim de agosto. Nele, a Seae avalia que se a CVM entender que não é o momento de alterar a norma, uma opção seria tratar do assunto via “sandbox”.

Geanluca Lorenzon, secretário de advocacia da concorrência e competitividade, diz que a Seae está num grande trabalho de preparar uma política pública de desregulamentação pós-pandemia e viu nessa questão “uma oportunidade grande”.

B3

“Existe um estudo do J.P. Morgan mostrando que a taxa de remuneração da bolsa brasileira é mais alta do que a de seus pares internacionais. Hoje não há pressão competitiva suficiente e a ‘internalização’, ao fazer isso, sem dúvida baratearia custos. O mundo inteiro já fez, podemos aprender bastante em como fazer. Podemos começar até mesmo no ‘sandbox’, mais discretamente”, diz.

Hoje em dia, a Seae conta com 35 pessoas e três delas estão se dedicando exclusivamente aos temas do mercado de capitais. “A Seae sempre opinou mais em questões de infraestrutura. Mas agora vamos ter mais participação em temas do mercado. Nosso papel é fazer sugestões, que podem ser acatadas ou não. Entendemos a preocupação dos reguladores com questões de segurança e liquidez, mas aqui também olhamos concorrência”, diz. Até o fim do ano, a Seae espera concluir estudo sobre as barreiras para a abertura de capital no país.

O parecer da Seae só traz argumentos da audiência pública da CVM. O Chediak Advogados trouxe o estudo do J.P. Morgan, citado por Lorenzon, e apontou que a medida “ampliaria a oferta de ambientes de negociação, aumentando a pressão competitiva”.

A Ancord, que reúne corretoras, destacou que a internalização não entrou na norma de 2007 pelo entendimento de que a estrutura do mercado não era adequada, fato que não faz mais sentido hoje. A XP disse que “vários intermediários já possuem estrutura e sistema adequados para prestar o serviço”. E que “há sistemas que consolidam as informações relativas às ofertas inseridas e os negócios realizados nos diferentes mercados”.

Essa é uma preocupação da B3 que, em seu comentário na audiência pública da CVM, aponta que a permissão da internalização de ordens é negativa. “Nas jurisdições onde é permitida, verifica-se que as ordens do varejo passam a não interagir com livro central de negociações, o que, por sua vez, pode impactar a formação dos preços, já que parte importante dos participantes do mercado deixa de participar dessa dinâmica”, diz no documento.

A “internalização” representa custos extras para as corretoras que desejarem oferecê-la, mas pode ser uma grande oportunidade para as maiores no mercado. João Accioly, sócio do Sobrosa & Accioly Advogados, afirma que ela abre possibilidade para que corretoras e gestoras se organizem em consórcios para juntos terem maior capacidade de internalizar operações.

“Cada sistema tem vantagens e desvantagens, e o mercado vai evoluir muito mais rapidamente com as escolhas concretas dos participantes pelos mecanismos que se mostrarem mais eficientes”, afirma Accioly.

Fonte: Valor Investe