A decisão do Carrefour de suspender a compra de carne proveniente de países do Mercosul em suas lojas na França gerou uma crise sem precedentes com o setor agropecuário brasileiro. O anúncio foi feito em 20 de novembro pelo CEO global da rede, Alexandre Bompard, em uma carta direcionada a Arnaud Rousseau, presidente da Federação Nacional dos Sindicatos dos Operadores Agrícolas na França. A justificativa da empresa baseia-se na pressão de agricultores franceses contrários ao acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, argumentando questões de concorrência e riscos ambientais.
A reação do agronegócio brasileiro foi imediata e contundente: um boicote às operações do Carrefour no Brasil, interrompendo o fornecimento de proteína animal às suas lojas, incluindo redes como Atacadão e Sam’s Club.
A decisão do Carrefour e suas motivações
Dois dias após protestos realizados por agricultores franceses durante a Cúpula do G20, o CEO do Carrefour declarou que a rede varejista não comercializaria mais carne oriunda do Mercosul em suas lojas francesas. Em sua carta, Bompard destacou que a decisão busca apoiar o setor agrícola local e preservar padrões rigorosos de qualidade e sustentabilidade exigidos na Europa.
“Em toda a França, ouvimos a consternação e a indignação dos agricultores face ao projeto de acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul. Consideramos o risco de repercussões negativas no mercado francês ao comercializar produtos que não cumpram os requisitos e normas europeus”, afirmou o executivo.
Essa posição, contudo, foi recebida como uma afronta pelo setor agropecuário brasileiro, que é líder mundial em exportação de carne bovina. Em 2023, segundo dados da Abiec, o Brasil respondeu por 27% das importações de carne bovina da UE fora do bloco, enquanto o Mercosul como um todo foi responsável por mais de 55%.
A resposta brasileira veio rapidamente. Entidades como CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), Abiec, ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal), Abag (Associação Brasileira do Agronegócio), SRB (Sociedade Rural Brasileira) e Fiesp emitiram uma nota de repúdio, convocando um boicote ao Carrefour Brasil.
“Se o CEO global do Grupo Carrefour entende que o Mercosul não é fornecedor à altura do mercado francês – que não é diferente do espanhol, belga, árabe, turco ou italiano –, consideramos que, se não serve para abastecer o Carrefour no mercado francês, também não serve para abastecer o Carrefour em nenhum outro país”, declarou a nota.
O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, apoiou o movimento, classificando a decisão do Carrefour como protecionista e desproporcional. “O Brasil tem uma agricultura de larga escala, com volume e segurança de fornecimento. A reação do Carrefour é desproporcional, e os países da UE, em sua maioria, já entenderam isso”, disse.
Impactos na cadeia produtiva e no acordo UE-Mercosul
Embora a suspensão anunciada pelo Carrefour seja restrita às lojas francesas, o impacto se espalhou por toda a cadeia produtiva brasileira. Entidades do setor argumentam que a decisão reflete um protecionismo exagerado por parte da França, que visa proteger seus agricultores locais em detrimento de acordos comerciais multilaterais.
O tratado de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul, que está em negociação há anos, é frequentemente criticado por produtores rurais franceses. Eles apontam o risco de aumento da concorrência e levantam preocupações ambientais envolvendo a produção sul-americana.
Enquanto isso, o Carrefour Brasil confirmou que o fornecimento de carne pelas indústrias brasileiras foi interrompido, mas negou que haja desabastecimento em suas lojas. A empresa afirmou, em nota, estar empenhada em restabelecer o diálogo com os fornecedores locais.
A crise entre o Carrefour e o agronegócio brasileiro ilustra os desafios de equilibrar interesses econômicos e ambientais em um mercado globalizado. Enquanto o Brasil se posiciona como líder no fornecimento de carne bovina para a Europa, a decisão do Carrefour reflete pressões internas que ultrapassam questões comerciais, envolvendo temas como sustentabilidade e proteção de mercados locais.
A disputa também ressalta a importância estratégica do tratado entre UE e Mercosul, que continua em negociação. Para o Brasil, a questão vai além do comércio: é uma oportunidade de reafirmar sua posição como fornecedor global confiável e sustentável, mesmo em meio a tensões protecionistas.
Fonte: Veja Negócios.
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