O pai, como ascendente, pode vender suas quotas sociais na empresa para um dos filhos, sem necessitar do consentimento dos demais. Os descendentes insatisfeitos só conseguirão anular a cessão de quotas se comprovarem que houve dissimulação de doação ou o pagamento de preço abaixo do valor de mercado, o que configuraria flagrante prejuízo.

Assim tem se posicionado o Poder Judiciário ao analisar ações judiciais de descendentes descontentes com a venda de bens pelo ascendente para determinado herdeiro sem a concordância expressa dos demais filhos.

Em um dos diversos casos analisados pelos nossos tribunais, era fato incontroverso que a transferência da participação societária do pai em uma determinada empresa do agronegócio para um de seus filhos aconteceu sem a anuência dos demais descendentes, que ajuizaram a demanda.

O principal argumento dos autores era o de que o Código Civil, em seu artigo 496, afirma que “é anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido”.

Ocorre que a interpretação jurisprudencial do referido artigo acena no sentido de que a anulação de venda direta de ascendente a descendente, sem o consentimento dos demais descendentes, necessita da comprovação de que houve ato simulado. Ou seja, estes têm de provar que o ascendente promoveu uma doação dissimulada ou venda por preço irrisório, abaixo do valor de mercado.

Portanto a interpretação literal do dispositivo legal deve ser superada, uma vez que não é possível anular a transferência de quotas de pai para filho com base unicamente na falta de anuência dos demais descendentes.

Ademais, deve-se ter em mente que o Direito de Empresa, regulado no Código Civil, no que diz respeito às sociedades limitadas, prestigia a autonomia da vontade. Com isso, os sócios têm total liberdade contratual para ceder as suas quotas. Claro, observando-se as disposições do artigo 1.057 do mesmo código: ”Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social”.

Voltando ao caso concreto, julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a prova dos autos apontava para a ausência de prejuízo aos demandantes, decorrente do negócio jurídico discutido, uma vez que a transferência das quotas foi onerosa e o preço, pago. Uma testemunha informou que o pai utilizou o dinheiro da transferência, simultaneamente, para investir em outra empresa da família. Afirmou ainda que a venda e a compra se deram quase pelo mesmo valor e que não houve prejuízo patrimonial ao ascendente com essa transferência.