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Os procuradores da “lava jato” paranaense que pediram ao Supremo Tribunal Federal a revogação das decisões que franquearam à defesa do ex-presidente Lula o acesso às mensagens da chamada “vaza jato” não têm legitimidade recursal para ingressar no feito. Os dados a que o petista teve acesso são as conversas entre os procuradores e o ex-juiz Sergio Moro, obtidas por hackers e posteriormente apreendidas pela Polícia Federal, no curso da apelidada operação spoofing.

Essa foi à conclusão da 2ª Turma da Corte, pelo placar de quatro a um, ao apreciar nesta terça-feira (9/2) pedido de reconsideração, recebido como agravo regimental, feito por um grupo de procuradores do MPF no Paraná — entre eles, Deltan Dallagnol, que chefiou a “lava jato” no estado.

“Salta aos olhos a manifesta ausência de legitimidade postulatória dos peticionantes, a qual impede que integrantes do Ministério Público Federal, de primeiro grau, totalmente alheios à lide, intervenham nos autos para impugnar decisões tomadas por esta Suprema Corte, a pretexto de defender direitos próprios e de terceiros”, disse o relator do caso, ministro Ricardo Lewandowski.

O relator foi acompanhado pelos ministros Nunes Marques, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Ficou vencido o ministro Luiz Edson Fachin, que conheceu do pedido para dar-lhe parcial provimento.

Odebrecht

Uma das controvérsias suscitadas no julgamento diz respeito à relação entre a reclamação 33.453 e a reclamação 43.007. Na primeira, Lula obteve decisão colegiada da 2ª Turma que determinou o compartilhamento com a defesa dos acordos de leniência firmados entre a Odebrecht e o MPF. Mas a defesa protocolou nova reclamação (a 43.007), pois a decisão da primeira reclamação não estava sendo cumprida. E, no curso dessa segunda reclamação, fez o pedido referente ao material da operação spoofing.

A subprocuradora-Geral da República Cláudia Sampaio Marques usou palavras fortes para descrever o caso. Para ela, houve uma “situação estranha e surpreendente”, ao se referir ao compartilhamento com a defesa de Lula das conversas privadas entre os procuradores e Moro.

“O feito foi se prorrogando (…) e, surpreendentemente, no recesso forense, às vésperas do Natal, surge (…) o advogado com uma petição pleiteando o compartilhamento dos dados da operação spoofing, que nada tinham a ver com os fatos que deram causa à presente reclamação. Não havia aderência entre o que ele tinha reclamado na inicial e o pleito que estava sendo feito”, afirmou.  Para Sampaio Marques, a decisão de Lewandoswki que deferiu o pedido do reclamante é “absolutamente desfundamentada”.

O ministro Lewandowski explicou. “Pela sustentação oral da eminente representante do Ministério Público, parece que este relator, de repente, às vésperas do Natal e no recesso, resolveu ser proativo e emitiu uma série de decisões (…). Mas não é bem assim”, afirmou.

Segundo o ministro, há cerca de três anos a defesa vinha insistindo junto à 13ª Vara Federal de Curitiba para ter acesso, em uma das ações penais nas quais Lula é réu, ao acordo de leniência da Odebrecht, aos documentos que acompanham esse acordo e, principalmente, às perícias referentes ao material que consta do acordo.

Após a decisão na reclamação 33.453 — proferida em agosto de 2020 — a defesa não teve acesso aos documentos, pois os membros do MPF de primeiro grau afirmaram, segundo o ministro, que não havia nenhum material a respeito. A recalcitrância perdurou por meses. “Em 24 de novembro, pela enésima vez, eu determinei o cumprimento da ordem, e solicitei informações à corregedora-Geral do MPF (…)”, disse Lewandowski.

A resposta da corregedora foi que ela não tinha acesso aos dados, mas que, consultando a “lava jato” de Curitiba, constatou que nada estaria sendo ocultado. Assim, a decisão sobre o acesso ao material da spoofing, para além dos dados referentes ao acordo de leniência, justifica-se, já que, nas palavras do ministro, as conversas entre procuradores “desmentem frontalmente a inexistência de tratativas internacionais, de perícias relativamente ao material concernente à Odebrecht e ao acordo de leniência”. “Pelo menos em tese, havia sonegação de material”, completou.

Divergência

A divergência de Fachin não se resumiu a reconhecer a legitimidade dos procuradores. Para o ministro, existe um “gap” entre a reclamação 33.543 e a reclamação 43.007. “Os pedidos nesta nova reclamação, a 43.007, expõem pelo menos uma certa perplexidade processual”, disse.

Segundo Fachin, além disso, pedidos feitos na 43.007 se confundem com pedidos feitos em casos sob sua relatoria. Especialmente com pleito no HC 193.726, impetrado pela defesa de Lula e que está afetado ao Plenário. “A solução para evitar que dois ministros tenham competência para deliberar sobre o mesmo assunto está na lei, que é o regimento interno do STF”, afirmou.

Ainda nesta terça-feira, Fachin homologou a desistência da defesa de Lula em recorrer em outro HC no qual também se discutia o acesso ao material da spoofing.

Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes discordou de Fachin. “O pedido principal veiculado nesse outro HC [o 193.726] é o de concessão da ordem para reconhecer a incompetência do juízo da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, por afronta às garantias constitucionais da vedação de julgamento por juízo de exceção e da violação ao juiz natural”, explicou.