Na próxima sexta-feira, 26, o Supremo Tribunal Federal, STJ, começa a decidir sobre a garantia do sigilo das informações das pessoas que aderiram ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (Rerct) – o programa de repatriação. A questão será discutida no Plenário Virtual através de uma ação ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro, PSB.

O partido solicita que sejam classificados como inconstitucionais dispositivos da Lei de Repatriação (nº 13.254, de 2016). O intuito é de que a Receita Federal e o Banco Central possam compartilhar as informações declaradas pelos participantes do programa com outros órgãos públicos de controle.

O sigilo das informações está previsto nos parágrafos 1º e 2º do artigo 7º da lei. Os dispositivos proíbem a divulgação e o compartilhamento das informações dos contribuintes – inclusive com Estados, Distrito Federal e municípios -, implicando efeito equivalente à quebra de sigilo fiscal.

“Essa premissa garantiu a voluntariedade ao programa”, diz o advogado do escritório Mattos Filho. “O Brasil seguiu as diretrizes da OCDE. Esse programa de anistia não foi algo isolado. Foi um movimento que aconteceu na América Latina inteira.”

Através do programa, brasileiros que possuíam dinheiro não declarado no exterior puderam regularizar a situação. Para isso, era necessário pagar 15% de imposto e 15% de multa sobre os valores declarados. Dessa forma, era liberado de responder por crimes como sonegação, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

Em 2016, quando aconteceu a primeira fase do programa, foi registrada adesão de 25 mil pessoas físicas e 100 empresas, com arrecadação de R$ 46,8 bilhões. No ano seguinte, na segunda fase, aderiram 1.915 pessoas físicas e 20 empresas, com arrecadação total de R$ 1,6 bilhão.

Uma mudança nas regras, agora, afirmam advogados – com as adesões encerradas e as informações já declaradas pelos participantes – poderia provocar uma “caça as bruxas”. As pessoas que aderiram ao programa de repatriação ficariam expostas a novas cobranças e investigações, inclusive na esfera penal.

O julgamento (ADI 5729) terá inicio com o voto do relator, Luís Roberto Barroso no Plenário Virtual. Nesse ambiente, os ministros têm até uma semana para proferir os seus votos. Se não houver pedido de vista nem de destaque, o resultado, portanto, sairá até a meia-noite do dia 5 de março.

“Deve-se respeitar a regra válida no momento em que os contribuintes optaram pela repatriação”, diz o sócio do Bichara Advogados. O compartilhamento dos dados declarados pelos contribuintes, complementa, permitiria que fossem utilizados para fins diversos dos previstos na lei, o que caracterizaria violação ao direito a não autoincriminação – artigo 5º da Constituição.

Ele afirma que haveria risco de novas cobranças tributárias. Os Estados, tendo acesso a essas informações, exemplifica, poderão tentar exigir o ITCMD nas hipóteses em que os recursos regularizados tenham como origem doações ou heranças.

A ação contra o sigilo das informações foi ajuizada em 2017. “Surgiu a partir de uma denúncia dos auditores fiscais de que, por causa do sigilo, os documentos dos contribuintes que fizeram as adesões estavam sendo armazenados com o CNPJ da Receita Federal e não com o CPF ou o CNPJ do próprio contribuinte”, diz o sócio do Carneiros & Dipp Advogados, que atua para o PSB.

O partido cita, no processo, a Nota de Arrecadação 006/2016, editada por órgãos de cúpula da Receita Federal. Esse documento confirma a troca de CNPJs. Para o PSB, a proibição do compartilhamento dos dados contraria os princípios da moralidade, transparência e eficiência da administração pública.

“Existe exigência na lei, no artigo 1º, de que a origem do recurso tem de ser lícita. Isso não pode ser só para inglês ver. Da forma como está, mesmo havendo regular solicitação da autoridade competente, as informações prestadas pelos repatriadores não podem ser compartilhadas”, diz Carneiro.

O PSB cita, na ação, pessoas que teriam se utilizado do programa para regularizar recursos de origem ilícita. Entre eles, Renato Chebar, apontado como um dos doleiros nas investigações envolvendo o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral. Chebar teria afirmado, em delação premiada, que se utilizou do programa, em 2016, para declarar US$ 4,2 milhões decorrentes de propinas pagas por Eike Batista a Cabral.

O partido também menciona Márcio Almeida Ferreira, ex-gerente da Petrobras. Segundo investigações da Lava-Jato, ele teria aderido ao programa para regularizar cerca de R$ 48 milhões oriundos de propina.

Advogados que atuam para os contribuintes contrapõem, no entanto, que o programa nunca esteve completamente blindado. “A lei prevê que as informações não podem ser compartilhadas, mas abre exceção para casos em que há indícios de vícios na adesão, no que diz respeito à origem do dinheiro. As fiscalizações sempre foram permitidas”, afirma o advogado Alessandro Fonseca.

Fonte: Valor Econômico.