Cada vez mais, os canais de relações pessoais e comerciais se confundem devido à enorme acessibilidade e disponibilidade de conteúdo proporcionado pelas redes sociais, principalmente Instagram, Twitter e Youtube, nas quais é possível compartilhar tanto conteúdo referente à vida privada quanto voltado para o marketing de produtos e serviços.
Nesse meio há incontáveis usuários que se destacam e começam a monetizar suas postagens, existindo até quem se sustente somente com isso, os chamados influenciadores digitais (usam da conta pessoal para marketing digital). Também há quem tenha criado empresas através de produtos oferecidos inicialmente em sua rede social, que só chegaram ao público através das publicações.
A partir dessa constatação surgem algumas dúvidas: as redes sociais são bens imateriais intransmissíveis (vida privada) ou possuem natureza estritamente patrimonial, ou seja, são passíveis de partilha ou transmissão? Qual o destino desses bens? Os herdeiros do proprietário possuem direito de sucessão sobre esses bens digitais? Quando integram o estabelecimento empresarial, estão sujeitos à partilha na dissolução societária e transpasse nas operações societárias?
Essas questões deflagram consequências no Direito da Família e Sucessões e no Direito Empresarial, visto que, se considerado bem imaterial intransmissível, será classificado como bem digno de proteção à inviolabilidade da vida privada e do sigilo de correspondência (artigo 5º, inciso X e XII, da CF), logo, não entrará na partilha de bens no divórcio e na dissolução de união estável, nem quando do falecimento do titular da conta; também não entrará na dissolução ou nas operações societárias. Mas, se classificado como patrimônio partilhável e transmissível, a apuração de seu valor e a autorização para transferência de titularidade gerará grande burocracia, visto que ainda não foram especificadamente regulamentadas no ordenamento jurídico brasileiro.
Cabe mencionar que, apesar de existirem projetos de lei sobre o assunto (PL nº 4.099-B/2012, PL nº 4.847/2012, PL nº 7.742/2017 e PL nº 8.562/2017), todos se encontram arquivados e desatualizados.
Referente ao Direito Sucessório, Conrado Paulino da Rosa e Marco Antônio Rodrigues sustentam que esses bens teriam seu destino previsto no artigo 1.788 do CC:
“Certamente, a continuidade de uma espécie de ‘personalidade virtual’ do falecido, seja por meio das plataformas que ele utilizava em vida ou por aquelas que a substituírem, deve ser enquadrada como um bem passível de transmissão onde, salvo disposição em contrário, será recebida pelos herdeiros legalmente atribuídos”.
Contudo, os tribunais não têm adotado tal entendimento. A 31ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu em 9 de março de 2021:
“AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – EXCLUSÃO DE PERFIL DA FILHA DA AUTORA DE REDE SOCIAL (FACEBOOK) APÓS SUA MORTE – QUESTÃO DISCIPLINADA PELOS TERMOS DE USO DA PLATAFORMA, AO QUAL A USUÁRIA ADERIU EM VIDA – TERMOS DE SERVIÇO QUE NÃO PADECEM DE QUALQUER ILEGALIDADE OU ABUSIVIDADE NOS PONTOS ANALISADOS – POSSIBILIDADE DO USUÁRIO OPTAR PELO APAGAMENTO DOS DADOS OU POR TRANSFORMAR O PERFIL EM ‘MEMORIAL’, TRANSMITINDO OU NÃO A SUA GESTÃO A TERCEIROS – INVIABILIDADE, CONTUDO, DE MANUTENÇÃO DO ACESSO REGULAR PELOS FAMILIARES ATRAVÉS DE USUÁRIO E SENHA DA TITULAR FALECIDA, POIS A HIPÓTESE É VEDADA PELA PLATAFORMA – DIREITO PERSONALÍSSIMO DO USUÁRIO, NÃO SE TRANSMITINDO POR HERANÇA NO CASO DOS AUTOS, EIS QUE AUSENTE QUALQUER CONTEÚDO PATRIMONIAL DELE ORIUNDO – AUSÊNCIA DE ILICITUDE NA CONDUTA DA APELADA A ENSEJAR RESPONSABILIZAÇÃO OU DANO MORAL INDENIZÁVEL – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA RECURSO NÃO PROVIDO”.
Outro entrave são as cláusulas no right of survivorship adotadas por algumas plataformas digitais, que preveem que o usuário concorda que a sua conta ou item adquirido não são transferíveis e que quaisquer direitos ou conteúdo terminam com a sua morte.
Como o Código Civil brasileiro não abordou o destino da herança digital, a fim de mitigar problemas e discussões, uma solução possível seria, em caráter preventivo, o titular da conta digital, quando em vida, dispor sobre o destino desse seu patrimônio em um testamento, conforme o artigo 1.857 do CC.
Já em relação ao divórcio e à dissolução de união estável, inicialmente deve ser apurado qual o regime de bens adotado e quando ocorreu a constituição das redes sociais ou quando foi dada destinação comercial a ela. A partir disso, se for constatada a comunicabilidade, deverá ser apurado o valor atribuído ao perfil.
Adiante, nos casos de acervo digital destinado ao exercício de atividade empresarial, a hipótese plausível é adotar expressamente o patrimônio digital como parte do estabelecimento comercial, que o Código Civil brasileiro assim define: “Artigo 1.142 — Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”.
Essa previsão é tão importante que a III Jornada de Direito Comercial, ocorrida em Brasília, em 2019, editou o Enunciado 95, no qual ficou previsto que: “Os perfis em redes sociais, quando explorados com finalidade empresarial, podem se caracterizar como elemento imaterial do estabelecimento empresarial”.
Já em relação à apuração do valor do perfil, existe um mercado de venda de publicações e, se verificada a frequência e abrangência das postagens, chega-se ao valor gerado pelo usuário.
É importante ressaltar que se houver alguma vinculação pessoal com o titular pessoa física, se fixado o entendimento da patrimonialização dos perfis sociais, a titularidade do perfil não poderá ser partilhada ou transmitida, tendo em vista a proteção aos dados pessoais e a vida privada do proprietário (artigo 5º, inciso X e XII, da CF; artigo 7º, inciso III, da 12.965/2014; e artigo 17 da LGPD). Mas o valor atribuído comercialmente ao perfil poderá ser descontado nas dissoluções, resoluções e operações societárias e nas dissoluções conjugais. Nessa última hipótese, os frutos gerados também poderão ser partilhados (artigo 1.660, inciso V, do CPC).
O tema é novo no âmbito jurídico, não havendo artigos no Código Civil ou leis que tratem diretamente sobre o assunto. Devido ao grande número de perfis sociais com essas características surgidos nos últimos tempos, mister se faz a abordagem da problemática. Se, de um lado, é plausível a inclusão de bens digitais suscetíveis de valoração econômica como parte de um patrimônio partilhável e transmissível, é fato que muita discussão será travada daqui para frente, pois há ainda disposições em que o direito patrimonial não prevalece em face dos direitos autorais e do direito à privacidade.
Portanto, se atribuídos fins econômicos e comerciais ao perfil social, essa ganha características patrimoniais e financeiras, não se tratando meramente de um bem imaterial pessoal privado, podendo ser partilhado e transmitido tanto em eventual dissolução de matrimônio, união estável e na abertura de sucessão quanto nas dissoluções, resoluções e operações societárias.
Fonte: Conjur com Felipe Negreti de Paula Ferreira.
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