A ministra da Agricultura, Teresa Cristina, alertou que o Parlamento precisa ter cuidado com propostas legislativas que estendam aos produtores rurais os benefícios da Lei de Recuperação Judicial (Lei 11.101, de 2005). O temor da ministra foi exposto pelo presidente da Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove), Andre Nassar, durante audiência pública da Comissão de Agricultura (CRA).
— A ministra deixou claro que é preciso ter muito cuidado com este tema, porque ele pode impactar fortemente o mercado de crédito e as novas políticas priorizadas pelo governo. Hoje o produtor pessoa física tem tratamentos tributários e previdenciários diferenciados, que não se aplicam às pessoas jurídicas. O acesso dos produtores pessoas físicas aos mecanismos de recuperação judicial previstos na Lei 11.101 vai colapsar o sistema de fomento e financiamento da produção. Na pessoa física, o patrimônio da atividade e o pessoal não se separam. O financiamento sempre funcionou muito bem desta forma, e cada financiador se entende com o produtor — detalhou Nassar, segundo a Agência Senado.
A CRA debate o PLS 624/2015, relatado pelo senador Jayme Campos (DEM-MT). O texto abre a possibilidade de que produtores rurais utilizem mecanismos previstos na Lei de Recuperação Judicial.
Para o presidente da Abiove, a Lei 11.101, de 2005, não foi pensada para o setor agrícola. Hoje apenas 2% dos produtores são pessoas jurídicas. Entre outras razões, por falta de estrutura administrativa da maioria dos produtores. Nassar acredita que mesmo a pequena parcela de pessoas jurídicas não se beneficiaria da Lei de Recuperação Judicial, devido às peculiaridades da área. Ele defende que o Congresso vote um estatuto específico para os produtores rurais, priorizando a segurança jurídica para toda a cadeia produtiva.
— Infelizmente tem havido casos de mudança de regra no meio do jogo. Tem produtores tomando o crédito como pessoa física e depois buscando a renegociação na jurídica, após pedir o registro. E muitas vezes isso ocorre no meio da safra. A safra é financiada, plantada e depois ele pede a recuperação judicial. Este oportunismo de poucos pode acabar se tornando um problema enorme para o país — alertou.
Para Nassar, a facilitação desta prática gerará inevitavelmente aumento no custo do crédito. Isso será grave porque o atual modelo de financiamento está em transição para um sistema de juros livres, com recursos captados no mercado. No setor da soja, o financiamento privado já responde por 80% do crédito, com 41% deles em sistema de juros livres. A possibilidade de sofrer um calote por meio da recuperação judicial aumentaria a avaliação de risco por parte de bancos e tradings, levando ao aumento das taxas de juros, alerta Nassar.
— O governo quer mais competição no mercado de crédito para que as taxas caiam. Hoje a maior fonte de financiamento do Plano Safra provém de recursos livres captados no mercado: são R$ 70 bilhões. É a primeira vez que isso ocorre. Mas se a CPR [cédula de produto rural] for objeto de recuperação judicial, desmonta a LCA [título do agronegócio]. Porque as LCAs são lastreadas em CPRs. Aí os bancos vão parar de emitir LCAs. Estejam alertas para a cadeia de financiamento que pode ser quebrada.
Nassar acrescentou que os títulos CRA (certificado de recebíveis do agronegócio) também podem se inviabilizar em caso de riscos judiciais, frustrando os esforços do governo tentando atrair capital externo para esta forma de financiamento.
Proteção para o investidor
O deputado Neri Geller (PP-MT), que foi ministro da Agricultura de 2013 a 2014, concordou com o ponto de vista de Nassar.
— A verdade tem que ser dita, nosso meio é composto por 95% de pessoas de bem, mas 5% são oportunistas. Infelizmente, muitos se beneficiam da ferramenta da recuperação judicial para comprar mais terras e aumentar o capital. Produtores de grande porte que atrapalharam de forma violenta o crédito, principalmente no Centro-Oeste — critica.
Ele é a favor que uma legislação própria regule a recuperação judicial no meio rural, mas preservando as CPRs. O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Paulo Moura Ribeiro, defendeu que o Parlamento vote um Estatuto do Empresário Rural “que enfrente as práticas oportunistas”. Quem também defende um Estatuto específico “à prova de caloteiros” é Renato Buranello, advogado especialista em Direito do Agronegócio e professor do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa).
O consultor jurídico da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Rodrigo Kaufmann, também participou da audiência. A entidade avalia que a recuperação judicial é um direito da categoria, e entende que ela é plenamente garantida pela Constituição, pelo Código Civil (Lei 10.406, de 2002), por jurisprudências do STJ e pela Lei da Agricultura Familiar (Lei 11.326, de 2006). Mas finalizou garantindo que a CNA está aberta para colaborar na construção de um texto de consenso para o PLS 624/2015.
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