Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no final do ano passado, trouxe um novo cenário para os processos de recuperação judicial (RJ) de produtores rurais.

Ao pacificar decisões até então divergentes, especialmente entre juízes paulistas e mato-grossenses, o STJ facilitou a adesão dos produtores a essa ferramenta jurídica.

No final de 2019, o STJ confirmou que um produtor rural poderia pedir a recuperação judicial logo após se inscrever na Junta Comercial, e não somente após dois anos de inscrição como empresário, incluído dívidas anteriores ao registro.

Desde então, os pedidos de recuperação judicial de produtores rurais no Rio Grande do Sul se avolumam, asseguram advogados. Além de o tema ter ganho novos rumos com a decisão do STJ, se soma ao cenário gaúcho problemas financeiros trazidos pela estiagem.

Com a perda de muitas lavouras, a recuperação judicial se tornou uma alternativa para mais produtores. A Brizola e Japur Administração Judicial atendeu em 2019 quatro produtores e, neste ano, já soma 10, entre aprovações e pedidos, de acordo com José Paulo Japur.

“A interpretação de muitos tribunais, até a decisão do STJ, é que seria necessário dois anos de registro na Junta antes de pedir a RJ. Como é facultado ao produtor rural fazer ou não o registro, por questões tributárias muitos produtores rurais não se cadastram como empresários”, explica Japur.

O advogado acrescenta, porém, que a recuperação judicial não é um processo simples e nem barato, o que limita as adesões e não é opção adequada a quem tem passivos pequenos. Agora, os debates avançam para a repercussão tributária do registro do produtor rural – se deverá rever valores pagos em impostos nos anos anteriores e a exclusão de dívidas pessoais que se misturam ao negócio empresário. É este ponto, pondera Japur, que torna complexa a atuação nos casos de recuperação judicial de agropecuaristas.

“Tivemos que agregar agrônomo e veterinário ao time nas visitas de campo. Apenas advogados e contadores não são suficientes para fiscalizar a reestruturações nesta área”, destaca Japur, cujo escritório atua em casos em Santana do Livramento, Bagé, Tapera, Piratini e Encruzilhada do Sul.

Bastante crítico com a adoção da RJ por produtores rurais, muitas vezes sem reais necessidades, Eduardo Boesing, da Kern Boesing & Bombassaro Advocacia e Consultoria Rural, pondera que há mais de um ponto a ser observado. A adoção indiscriminada da recuperação, que permite a prorrogação de pagamentos por 180 dias sem prejuízos à operação do negócio e abatimento nas dívidas, poderá trazer dificuldades futuras na obtenção de crédito e nas parcerias com tradings e cerealistas. O que também pode prejudicar os bons pagadores.

O advogado diz que a decisão não é vista com bons olhos pelo setor financeiro e tradings, que alegam que será necessário adotar critérios mais exigentes na análise da concessão do crédito, tornando-o mais caro. Por outro lado, o Boesing admite que agricultores comemoram a decisão do STJ porque pode ajudar na reestruturação de quem está situação de dificuldade inesperada, como no caso da estiagem, e não teria como aguardar dois anos de prazo exigido pela Lei de Falências.

“A RJ, porém, está sendo oferecida como a grande solução. Há produtores, erradamente, saindo mais ricos da recuperação. Estão fazendo isso sem realmente precisar, o que traz danos à imagem e prejudica outros produtores quando forem buscar crédito. Bancos e tradings entendem que seus riscos aumentaram”, ressalta Boesing.

Especialistas fazem ainda outro alerta: a recuperação judicial não é uma solução barata. O produtor terá que arcar com custos do administrador judicial, honorários advocatícios e para acionar as reuniões de credores, entre outros.

Professor do curso de mestrado em direito profissional da Unisinos, Luiz Trindade Leite ressalta que o tema ainda exige atenção e pode ter alterações em breve com o Projeto de Lei (PL) 6.225, já aprovado na Câmara do Deputados, e que cria limitações à adesão de produtores rurais.

“Agora segue ao Senado a PL que altera a lei com inúmeros empecilhos e condições, praticamente impedindo que o produtor rural possa pedir a RJ, e limita quais dívidas e créditos podem ser incluídos”, antecipa Leite.

 

Fonte: Jornal do Comércio