Os riscos de fazer negócios com quem deve ao fisco

Qualquer pessoa, física ou jurídica, deve ter o máximo cuidado e atenção antes de realizar qualquer tipo de transação ou negócio comercial estando com débitos de ordem tributária ou, em sentido contrário, estando a outra parte nesta situação. Isso porque o risco implicado para que a operação seja declarada inválida e o negócio desfeito é bastante elevado e pode trazer consequências catastróficas para a saúde financeira dos envolvidos.

O risco eleva-se em se tratando de dívidas fiscais diante do tratamento diferenciado que nosso ordenamento jurídico fornece à cobrança por parte do fisco e ao crédito tributário, em razão da sua própria natureza. Dessa forma, mesmo que o devedor ainda não tenha sido processado e citado (informado judicialmente) sobre o procedimento judicial que cobra aquele crédito, ainda assim algum negócio comercial feito por esse devedor pode vir a ser considerado fraudulento perante o fisco – de modo que o bem seja retomado exatamente para pagamento da dívida.

O caráter fraudulento se dá em função do instituto jurídico que promove segurança ao credor nessa situação descrita: a fraude à execução. Uma vez que, judicialmente, apure-se que o devedor realizou algum ato que dentro de um determinado lapso temporal e compreendidos determinados requisitos, o ato pode ser considerado fraudulento e o negócio desfeito, para que a situação patrimonial volte a constar exatamente como era antes da prática do ato.

Negócios

Antes de 2005, o artigo 185 do Código Tributário Nacional – CTN, era redigido da seguinte maneira:

Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa em fase de execução.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados pelo devedor bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida em fase de execução.”

Ou seja, o próprio texto da norma presumia que para ser considerado fraude, deveria já haver o procedimento jurídico de cobrança em fase executória, que processualmente significa a fase de concretização do direito reconhecido em sentença ou em título extrajudicial.

Contudo, a Lei Complementar 118/2005, modificou o texto da norma:

Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita.”

Ainda, importante salientar que a alteração na norma foi amplamente discutida no Judiciário. Em 2010, o Superior Tribunal de Justiça – STJ julgou acerca da matéria, referendando a alteração legislativa e fazendo com que esse entendimento fosse favorável a alteração do artigo na jurisprudência em geral.

Dessa maneira, basta que esse crédito tributário esteja em dívida ativa para que algum negócio realizado por esse devedor seja passível de análise e atribuição do instituto que o considere fraude, havendo risco, portanto, da destituição do negócio para pagamento da dívida. Isso pode trazer consequências bastante graves, como por exemplo: desfazimento de negócios antigos que as partes fizeram de boa-fé sem imaginar que estavam em situação de risco; perda de direitos sobre determinado bem pelo adquirente, que traga abalo em sua organização financeira; responsabilidade de indenização pelo alienante ao sujeito que adquiriu o bem retomado.

Por todos motivos explicitados, empresas em geral – independentemente do porte financeiro – devem ter atenção especial aos passivos de ordem fiscal e tributária e, ainda mais, quanto aos montantes já inscritos em dívida ativa. Por realizarem transações diariamente, as obrigações tributárias exigem cuidado especial e gestão dos riscos inerentes, seja pela devido levantamento e apuração destas, bem como pelas medidas estruturais, societárias, organizacionais e estratégicas que promovam maior proteção e segurança para a saúde financeira e operacional da própria pessoa jurídica, como também ao empresário, para que este não seja atingido em sua esfera patrimonial privada.

Diego Varela Velho – OAB/RS 97.075