O patrimônio de afetação consiste em uma prática não obrigatória do mercado imobiliário, que se destina à preservação dos direitos do adquirente de imóvel na planta, além de se prestar a atribuir maior credibilidade aos incorporadores, a partir da impossibilidade de acesso ao patrimônio do empreendimento em decorrência das dívidas da incorporadora. Todavia, ao ser instituído o patrimônio de afetação, transfere-se ao adquirente, em eventual colapso financeiro do incorporador, a responsabilidade pelo término da obra.
No procedimento constitutivo do instituto legal do patrimônio de afetação, cria-se para o empreendimento uma denominação, define-se uma sede e uma personalidade jurídica própria, para que assim o patrimônio da pessoa jurídica mantenedora não se confunda com o empreendimento em si, sendo, pois, obrigatória a segregação contábil entre ambos.
Por essa perspectiva a doutrina dispõe que:
“o patrimônio de afetação foi concebido com o objetivo principal de assegurar a recomposição imediata dos patrimônios individuais dos adquirentes de fração ideal vinculada à unidade autônoma em construção ou a ser construída, no caso de quebra do incorporador. Decorre do principal, o objetivo de conferir segurança e confiança ao mercado imobiliário. Outros objetivos secundários, como o controle centralizado dos recursos financeiros destinados à incorporação, a manutenção de contabilidade separada, a fiscalização das obras e do patrimônio de afetação, direta ou indiretamente já estavam contemplados na lei das incorporações”.
Quando se trata dos fundamentos doutrinários do patrimônio de afetação, pode-se evidenciar que consistem, em sua gênese:
- na constituição do patrimônio de afetação concomitante ao registro do memorial de incorporação;
- em se garantir a manutenção de contabilidade separada para cada incorporação;
- na investidura imediata dos adquirentes na administração da incorporação e realização de assembleia geral dos adquirentes para deliberar sobre o destino do patrimônio de afetação;
- no leilão das unidades não negociadas pelo incorporador, sub-roga-se o arrematante nos direitos e obrigações de condômino.
O instituto do patrimônio de afetação é garantido pela Lei 10.931/04 (art. 53 e art. 54) e pelo Capítulo I-A, art. 31-A a 31-F da Lei 4.591/64.
O instituto do patrimônio de afetação está intimamente relacionado à incorporação imobiliária, que em sua práxis, se define na divisão do terreno e obras de melhorias na construção de unidades imobiliárias a serem comercializadas, popularmente conhecidas como “imóveis na planta”.
Em linhas gerais, o patrimônio de afetação caracteriza-se pela junção dos bens referentes a uma determinada obra, no que se inclui, o próprio terreno em que se está construindo e quaisquer outros bens vinculados ao empreendimento imobiliário à personalidade jurídica responsável, comumente formalizada mediante Sociedade de Propósito Específico (SPE), evitando-se, portanto, uma confusão patrimonial com a incorporadora.
A grande vantagem da instituição do patrimônio de afetação se consubstancia na divisão contábil entre empreendimento e incorporador, evitando com que possíveis dívidas da incorporadora recaiam sobre o empreendimento, ou vice e versa, e que por via de consequência venham a inviabilizar a obra e, por fim, acabem por lesar os adquirentes das unidades imobiliárias, nesse sentido:
PROCESSO CIVIL. DIREITO EMPRESARIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE. PROCESSAMENTO DA SOCIEDADE DE PROPÓSITO ESPECÍFICO. INCOMUNICABILIDADE DO PATRIMÔNIO AFETADO. DECISÃO MANTIDA. 1. Nos moldes do art. 31-A da Lei nº 4.591/64, com redação determinada pela Lei nº 10.931/04, o patrimônio de afetação justifica-se em razão da vulnerabilidade dos adquirentes das unidades imobiliárias frente às mudanças do negócio incorporativo. 2. Na espécie, a decisão agravada não coloca em risco o chamado patrimônio de afetação vinculado aos referidos empreendimentos, ao contrário, confere a incomunicabilidade e autonomia do patrimônio afetado. 3. Agravo de Instrumento conhecido, mas não provido. Unânime.
(TJ-DF 07050749520188070000 DF 0705074-95.2018.8.07.0000, Relator: FÁTIMA RAFAEL, Data de Julgamento: 20/09/2018, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no PJe : 26/09/2018 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)
Até se poderia questionar sobre a importância, e até mesmo, imprescindibilidade do patrimônio de afetação, todavia, da simples análise do julgado supramencionado, vale destacar o seguinte trecho que não deixa margem à dúvidas “nos moldes do art. 31-A da Lei nº 4.591/64, com redação determinada pela Lei nº 10.931/04, o patrimônio de afetação justifica-se em razão da vulnerabilidade dos adquirentes das unidades imobiliárias frente às mudanças do negócio incorporativo.”
Cediço, portanto, que o patrimônio de afetação vinculado aos referidos empreendimentos, confere a incomunicabilidade e autonomia do patrimônio afetado, e dessa forma, confere segurança aos adquirentes das unidades imobiliárias, eis que “em caso de falência da incorporadora, a administração da incorporação sob regime de afetação é transferida para a comissão de representantes e os adquirentes são investidos de poderes para deliberar pelo prosseguimento da obra ou pela liquidação do patrimônio de afetação da incorporação, a seu critério exclusivo”.
Certo pois, que ao adquirir um imóvel na planta, o consumidor, a princípio, está adquirindo uma promessa de que o empreendimento será executado em sua plenitude e, por conseguinte, que receberá sua unidade imobiliária no prazo e forma acordados, e em contrapartida, se obrigará a realizar o pagamento de uma entrada e do saldo devedor de forma parcelada.
Vale destacar que, quando se opta pela instituição do patrimônio de afetação no empreendimento, busca-se garantir que os recursos investidos na obra serão de fato destinados exclusivamente à sua execução. Tal restrição impossibilita desvios de aportes financeiros pelo incorporador que capta os recursos, seja para aquisição de novos imóveis para empreender, seja para o financiamento de outros empreendimentos que estiverem em andamento.
Com o patrimônio de afetação, o capital gerado mediante a comercialização na planta de determinado empreendimento, será obrigatoriamente investido na sua construção e entrega, sem que haja destinação diversa dos recursos. Com isso, o instituto evita “pedaladas” no mercado imobiliário, impossibilitando o desvio, ao mesmo tempo que contribui para o aumento da segurança jurídica ao adquirente e na obtenção da certeza de que a obra será finalizada e de que as unidades imobiliárias serão entregues aos consumidores.
Além disso, o patrimônio de afetação proporciona aos compradores no caso de falência da incorporadora, a possibilidade de que estes possam dar continuidade à obra a partir da contratação de outro construtor, em substituição ao primeiro, garantindo assim a entrega das unidades imobiliárias.
Ademais, durante toda a obra, os adquirentes terão o direito ao seu acompanhamento, assim como, de exigir a entrega em prazo determinado, reduzindo também a possibilidade de maiores atrasos na entrega do empreendimento.
Muito embora não seja obrigatória a constituição do patrimônio de afetação para o incorporador, há de se ressaltar que a prática lhe é extremamente favorável. A segurança que o comprador obtém no negócio, influencia sobremaneira na decisão do consumidor no momento da aquisição do imóvel na planta. Pois, se o comprador se sentir seguro, a probabilidade de efetivação da venda aumentará substancialmente, facilitando a comercialização de todo o empreendimento, e consequentemente, a consolidação do nome do construtor e uma confiança do mercado para futuros negócios.
Diante disso, será possível a obtenção de benefícios fiscais pelo empreendedor que aderir ao patrimônio de afetação, que, exemplificativamente, poderá adotar o RET, um regime tributário opcional aplicável às incorporações imobiliárias, que impacta positivamente na sua carga tributária, com sua consequente redução.
O regime especial tributário aplicável à incorporação imobiliária tem caráter opcional e irretratável enquanto perdurarem direitos de crédito ou obrigações do incorporador junto aos adquirentes.
Ao optar pelo regime especial, o incorporador ficará sujeito ao pagamento mensal unificado do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS e da Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PIS/PASEP.
Para cada incorporação submetida ao RET, a incorporadora ficará sujeita ao pagamento mensal equivalente a 6% (seis por cento) das receitas mensais recebidas, que corresponderá ao pagamento unificado de: I – 2,57% (dois inteiros e cinquenta e sete centésimos por cento) como COFINS; II – 0,56% (cinquenta e seis centésimos por cento) como Contribuição para o PIS/Pasep; III – 1,89% (um inteiro e oitenta e nove centésimos por cento) como IRPJ; e IV – 0,98% (noventa e oito centésimos por cento) como CSLL.
A parcela que não puder ser compensada na forma acima, será considerada definitiva, não gerando, em qualquer hipótese, direito à restituição ou ressarcimento, bem assim a compensação com o devido em relação a outros tributos da própria incorporação ou pela incorporadora em outros períodos de apuração.
Diante dos benefícios comerciais e fiscais evidenciados, não há dúvidas de que o instituto do patrimônio de afetação acaba sendo favorável a ambas as partes, pois, ao garantir segurança jurídica ao consumidor, o construtor se consolida em relação à confiança do mercado em seu negócio e possibilita o aumento de vendas do seu empreendimento.
E nesse sentido, destaque-se que ao tratar de segurança jurídica, não se pode olvidar que o mercado imobiliário possui via de mão dupla, sendo certo afirmar, que os vendedores dependem dos compradores, e os compradores dependem dos vendedores, cabendo assim a redução da distância entre as partes visando a sua maior aproximação, pois todos ganham em decorrência do estabelecimento de relações de confiança e reciprocidade, algo tão almejado pelo instituto do patrimônio de afetação.
No que diz respeito ao adquirente, muito embora o regime de afetação gere um substancial aumento de credibilidade em relação ao empreendimento, favorecendo os interessados na aquisição, em virtude da separação patrimonial, há que se frisar “que não há garantia para estes de que a obra será executada, mas sim de que há um patrimônio reservado para tal finalidade”.
Por fim, registre-se que o dever de fiscalização por parte dos adquirentes deve ser constante desde o início das obras, pois, perde eficácia a deliberação pela continuação da obra a que se refere o § 1º do art. 31-F da Lei 4.591, de 1964 (falência ou insolvência civil do incorporador), bem como os efeitos do regime de afetação instituídos pela Lei 10.931/2004, caso não se verifique o pagamento das obrigações tributárias, previdenciárias e trabalhistas, vinculadas ao respectivo patrimônio de afetação, cujos fatos geradores tenham ocorrido até a data da decretação da falência, ou insolvência do incorporador, as quais deverão ser pagas pelos adquirentes em até um ano daquela deliberação, ou até a data da concessão do habite-se, se esta ocorrer em prazo inferior.
Fonte: Paraná Portal