Com uma visão privilegiada do ecossistema empresarial e de investimentos, Rodrigo Dantas, 39 anos, fundou a startup de pagamentos recorrentes Vindi, que recebeu aportes que somaram US$ 9,9 milhões, desde 2013; vendeu a empresa para a Locaweb por R$ 180 milhões, no ano passado; continuou no comando da companhia que fundou; virou investidor-anjo de uma série de empresas como idwall, Conta Simples e Chatpay; e ainda é investidor de fundos de venture capital como Canary e Iporanga.
Todavia, Dantas alerta, nem tudo está tão bem assim, com liquidez abundante e dinheiro sobrando para startups.
Um dos problemas levantados por Dantas é que com na velocidade que os cheques milionários estão sendo feito para as startups, o país não está formando a quantidade necessária de engenheiros de software, cientistas de dados e profissionais de produtos. “Se não formarmos profissionais de tecnologia, teremos um problema grave dentro de cinco anos. Com a aceleração do Brasil sendo mais digital, o País não vai crescer”, afirma.
A maioria não permanece cinco meses na cadeira e já troca de emprego. Outros passaram a trabalhar fora do Brasil. A Vindi, por exemplo, que conta com 175 funcionários, dos quais 75 são de tecnologia, passou a contratar fora de São Paulo, buscando em outros estados como Pernambuco, Paraná, Amazonas, entre outros. Mas não é o suficiente.
Na opinião de Dantas, as empresas não podem esperar o governo e as escolas. É necessário criar estruturas para a formação de profissionais dentro de casa.
Na entrevista abaixo, o empresário também aponta para anomalias criadas pelo excesso de liquidez no mercado de venture capital. Confira:
- O mercado de startups e empresas de tecnologia está nadando em liquidez. Tem muito dinheiro para essas companhias. Como você observa esse ambiente?
A gente vive um momento único no Brasil e no mundo. É muito dinheiro, muita liquidez. De um ponto de vista global, isso é bom porque o dinheiro não está indo só para negócios tradicionais. Acho que nunca vimos na história da economia global tanto dinheiro indo para empresas de tecnologia. Por outro lado, sob o ponto de vista local, cria-se um ambiente esquisito no curto e médio prazo. Muito dinheiro cria algumas anomalias no mercado.
- Que anomalias?
Especificamente no Brasil e na América Latina, não estamos acompanhando os ritmos dos investimentos que vêm acontecendo. Exemplificando melhor, há muito dinheiro no mercado, as apostas em startups aumentando, só que temos um gap muito grande de profissionais de tecnologia. No Brasil, quando uma empresa levanta uma rodada série C ou série D, ela tem que achar dentro de casa ou fazer um movimento predatório para encontrar engenheiro de software, designer de produtos, até gente de marketing. Isso não estaria acontecendo se tivéssemos uma velocidade de formação de gente de tecnologia mais estruturada.
É ótimo ter liquidez no mercado, mas o que está acontecendo no jogo real é que não estamos formando a quantidade de gente de tecnologia que precisamos para que essa liquidez tenha um efeito positivo. Não estamos formando engenheiro de software, cientistas de dados e gente de produtos na velocidade que os cheques estão acontecendo no Brasil. Então, virou um jogo de rouba montes.
- Que jogo de rouba montes?
O cara que fez uma série D vai pescar no aquário de quem fez uma série B. O que fez uma série B indo pescar no do que fez uma série A. Portanto, cria-se uma anomalia no mercado. Quem está indo bem são os que realmente têm uma cultura muito forte dentro de casa, que têm plano de carreira para essas pessoas novas, mas ainda assim é muito pouco.
- Por quê?
Tenho visto casos de salários muito inflados. Tem profissionais juniores ganhando como seniores. Profissionais que ganhariam R$ 7 mil estão ganhando R$ 16 mil. Isso vai ter um efeito no longo prazo. O que é positivo nesse cenário é que temos a chance de trazer esse problema para dentro de casa.
- Como assim?
Cada empresa terá de resolver o problema da educação meio que sozinha. Não dá para depender de governo e de escola. Teremos de criar uma estrutura dentro das empresas para poder acelerar o desenvolvimento dessas pessoas. Hoje, é um limitador de crescimento não ter engenheiro de software, cientista de dados e designer de produtos. E, por conta disso, você vê anomalias como um profissional júnior ganhando como sênior, um sênior ganhando como vice-presidente, e vê muitas coisas ruins acontecendo.
- Que coisas ruins?
Produtividade indo para o saco, leilão no mercado e muita gente pulando de emprego muito rápido sem esquentar a cadeira.
- Quanto tempo?
Cinco meses, seis meses. E na pandemia ficou mais evidente porque as fronteiras foram meio que quebradas. O pessoal do Brasil está trabalhando para qualquer empresa de qualquer lugar do mundo. Com a moeda fraca do Brasil, não dá para concorrer com o dólar e com o euro. Um júnior que ganhava aqui seus R$ 10 mil está arrumando um trabalho com os mesmos desafios e dificuldades por US$ 7 mil.
- Está acontecendo isso? Estrangeiros estão procurando brasileiros?
Está acontecendo muito. É um problema global, não tem mão de obra qualificada para tecnologia no mundo. As fronteiras caíram e o recado que fica para os empreendedores é que temos de criar escolas em casa. Tem que formar júnior, contratar estagiários, tem que investir em cultura e gestão de pessoas para poder segurar. Se não fizermos isso, teremos um problema grave dentro de cinco anos. Com a aceleração do Brasil sendo mais digital, o país não vai crescer.
- E contratar fora do Brasil?
Agora o movimento que tem acontecido é local fora do eixo São Paulo. A Vindi, por exemplo, contratou em Fortaleza, em Pernambuco, no Rio de Janeiro. Tem muita gente boa em Manaus, em Curitiba. Isso tem funcionado muito bem e acho que vai ser uma coisa muito boa para o mercado.
- Agora, falando novamente em liquidez, sem olhar para mão de obra. Não tem muita startup recebendo muito dinheiro sem ter consistência? Tem muito ativo ruim no mercado?
Por ter muito dinheiro no mercado, cria-se também uma grande competição entre os fundos de ventures capital. ‘Está vindo boas oportunidades para mim? Estou chegando primeiro nelas?’ Você conhece os cases que estão crescendo e são bons. Acho que tem coisas esquisitas acontecendo no Brasil, menos do que acontecia, mas tem. Como faltam bons cases para cheques de série A e B, os fundos têm descido muito para seed. Até o ano passado, séries B e C eram raras no Brasil. Mas tem cheques indo para negócios ruins.
- Quais?
Os cases dos patinetes são bem emblemáticos. Você via cheques astronômicos entrando em negócios em que você se perguntava: ‘caramba, será que essa tese para em pé?’
- Por que, então, destinaram cheques tão altos para negócios cujas teses não paravam em pé?
Acho que pelo excesso de liquidez. Quando você tem pouca liquidez, você vai escolher nos mínimos detalhes. Se tivesse menos dinheiro, os investidores estariam fazendo menos apostas no mercado. Tem muita aposta hoje e o fundo tem que apostar mesmo, está no DNA de um venture capital. Mas as apostas poderiam ser mais criteriosas…
Com menos liquidez, eles escolheriam melhor, seriam mais diligentes em alguns cases exóticos. Mas, com muito dinheiro, podem testar mais, apostar mais no mercado.
- E esse fenômeno de empresas de tecnologia ganhando espaço na bolsa?
O que está acontecendo na Bolsa é uma aposta meio que certa. Se você olhar para as empresas do futuro, coloco dinheiro em tech ou em petróleo? Acho que é uma janela importante para empreendedores que podem dar esse salto. Para que fazer uma série D ou E se eu posso listar na Bolsa? Mas há também uma questão que o jogo para o fundador na Bolsa é outro. É resultado, preto no branco. É diferente de um private equity ou de um venture capital.
- O empreendedor de tech está preparado para comandar uma empresa na Bolsa?
Sempre me perguntei se eles estavam preparados para uma jornada de RI, de negociar com investidores, de mostrar as métricas. Mas acho que formamos tantos empreendedores bons na última safra. Os que estão na Bolsa agora pegaram o rabo do foguete de uma XP e de uma Stone e estão bem preparados para fazer essa jornada. Óbvio que alguns deles precisam aprender o linguajar dos banqueiros, do mercado, mas, do ponto de vista de gestão, vejo muita gente bem preparada.
- E a qualidade do investidor que coloca dinheiro em startups, é boa?
Os primeiros investimentos-anjo no Brasil foram ruins, há várias histórias catastróficas para quem pegou dinheiro de investidor-anjo há sete anos. Era investidor que tomava muito equity, que se intrometia muito nas empresas. Depois, veio uma segunda onda de empreendedores que venderam suas empresas e começaram a investir. O pessoal do Mercado Livre, do Buscapé, do Peixe Urbano. Eles vieram com a cabeça de que a participação tem de ser pequena, de ajudar a não bater cabeça, de abrir a porta para novas rodadas. Mas sou crítico a outros investidores.
- Quais são os bons investidores- anjo no Brasil?
É raro ver quem fez dinheiro com investimento-anjo no Brasil. Mas temos ótimos exemplos no País. O Brian (Brian Requarth, fundador da Viva Real) é bom investidor-anjo, investiu no QuintoAndar. O Florian e o Mate (Florian Hagenbuch e Mate Pencz, fundadores da Loft) fizeram investimentos em Méliuz, 99; o pessoal da OneVC, da Canary. É só analisar a carteira deles. Esse é o ponto. Separar o joio do trigo. Há muito investidor-anjo no Brasil, mas os bons são minoria. Os bons são empreendedores. Também conheço bons investidores-anjo fazendo investimentos nos segmentos em que atuam.
- O que é um bom investidor-anjo na sua visão?
Primeiro de tudo, não dar trabalho. Não encher o saco do empreendedor. O cara já tem tanto desafio, que o investidor fica pedindo report, dados. Outra coisa, se for dar palpite não solicitado, tenta entender o momento da empresa. Já vi caso de investidor-anjo investir com nota promissória. Não faz sentido.
Fonte: NeoFeed.