Seguindo o avanço que o setor agroindustrial tem sofrido sob a perspectiva da edição de leis como a já aprovada Lei do Agro (Lei nº 13.896/2020), de forma louvável houve a elaboração do Projeto de Lei nº 5.191/2020, de autoria do deputado Arnaldo Jardim, o qual disciplina, já tarde, a instituição dos Fundos de Investimento das Cadeias Agroindustriais (Fiagro).
Como era de se esperar, referido projeto de lei foi aprovado pelo Congresso Nacional, aguardando sanção presidencial.
Em linhas gerais, o foco será apontar e justificar o tratamento fiscal dado ao presente fundo, o qual, além de não ser, em momento algum, renúncia de receita, será um “grande divisor de águas” para o fomento e desenvolvimento da cadeia agroindustrial, levando, quiçá, a significativo crescimento do ponto de vista de investimentos, desenvolvimento, produtividade, geração de renda e empregados.
É sempre importante lembrar que o agronegócio tem sido de elevada importância no cenário nacional e internacional, representando aproximadamente 24% do PIB brasileiro, todavia, há nítida necessidade de mais investimentos para que seja possível atingir altos níveis de produtividade e sustentabilidade, sobretudo mediante novas tecnologias.
Vale ressaltar que as cadeias agroindustriais e os respectivos investimentos devem estar em consonância com a atualidade denominada de agricultura 4.0, desenvolvimento do setor de produção, emprego de tecnologia de ponta e compliance à uma complexa moldura regulatória.
A criação de fundos voltados para o setor do agronegócio, efetivamente, poderá aproximar ainda mais referido segmento com o mercado de capitais.
Em geral, os fundos consistem em condomínios especiais (abertos ou fechados), nos termos da Lei de Liberdade Econômica e do Código Civil, por conseguinte, entidades sem personalidade jurídica, criadas por prazo determinado ou indeterminado, sujeitos regulação pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM nº 555/2014), tendo como principal finalidade investimentos ligados ao mercado de capitais, que podem variar de participações, aplicações, imobiliários e, a partir do Fiagro, para referido setor.
Por essa razão, possível notar que os fundos, tal como o Fiagro, são formas de investimento com alto grau de governança, uma vez que são regulados pela CVM, tendo seus gestores e administradores a mesma vinculação, seguindo os mais relevantes princípios voltados para os propósitos de ESG (responsabilidade ambiental, social e governança).
Não resta dúvida, nesses termos, de que o Fundo de Investimento das Cadeias Agroindustriais (Fiagro) seria uma modalidade que permitirá, por meio de uma interação com os mercados de capitais, com alto grau de governança, ampliar as alternativas de financiamento para o setor, proporcionando crescimento e desenvolvimento para o país.
Nesse aspecto, o Fiagro, dada a sua polivalência, poderá ser constituído para as mais variadas formas de investimento, notadamente, nos termos do artigo 2º do projeto de lei, que inclui o artigo 20-A na Lei nº 8.668/93: 1) imóveis rurais; 2) participação em sociedades que explorem atividades integrantes da cadeia produtiva agroindustrial; 3) ativos financeiros, títulos de crédito ou valores mobiliários emitidos por pessoas físicas e jurídicas que integrem a cadeia produtiva agroindustrial na forma do regulamento; 4) direitos creditórios do agronegócio e títulos de securitização emitidos com lastro em direitos creditórios do agronegócio, inclusive, certificados recebíveis do agronegócio e cotas de fundos de investimento em direitos creditórios e fundos de investimento em direitos creditórios não padronizados que apliquem mais de 50% de seu patrimônio em referidos direitos creditórios; 5) direitos creditórios imobiliários relativos a imóveis rurais e títulos de securitização emitidos com lastro nestes direitos creditórios, inclusive, certificados recebíveis do agronegócio e cotas de fundos de investimento não padronizados que apliquem mais de 50% de seu patrimônio nos referidos direitos creditórios; e 6) cotas de fundos de investimento que apliquem mais de 50% de seu patrimônio nos ativos acima descritos.
Tais ativos que constituem este fundo, importante esclarecer, não se comunicam com o patrimônio da administradora, de tal sorte que: 1) não integram o ativo da administradora; 2) não compõem os bens da administradora para fins de liquidação; 3) não podem ser dados em garantia; 4) não estão sujeitos à execução de credores; 5) não podem ser constituídos ônus sobre os bens imóveis.
Dada as particularidades expostas quanto aos fundos, é natural que exista uma forma de disciplinar tais operações, do ponto de vista tributário, de maneira diferenciada.
Neste sentido, o Fiagro, segundo projeto de lei aprovado, segue as premissas e parâmetros de tributação dos demais fundos já existentes, principalmente, no tocante ao Fundo de Investimento Imobiliário (FII).
Juntamente com esse fato, não podemos esquecer que a tributação do agronegócio merece tratamento diferenciado, dados a sua peculiaridade e, principalmente, o seu propósito, qual seja, a produção de itens essenciais à pessoa humana, notadamente, os alimentos, consagrando os desígnios do texto constitucional nacional quanto à dignidade da pessoa humana, como também direito à vida (digna), alimentação e saúde. São direitos fundamentais do mais alto grau de importância que merecem sempre ser prestigiados e concretizados de fato.
Além deste propósito intrínseco ao agronegócio, que, por si só, justifica um tratamento diferenciado, importante lembrar que há previsão no texto constitucional para a utilização de instrumentos fiscais, inclusive incentivos, para o fomento e desenvolvimento desse setor, nos termos do artigo 187 da Constituição Federal, ao tratar da política agrícola.
Diante desse contexto, passamos a apresentar a disciplina jurídica de cunho tributário, a qual, além de não configurar efetivamente, uma renúncia fiscal, tem justificativa sob a perspectiva do desenvolvimento econômico, social e jurídico, como já exposto acima.
Trata-se somente de tratamento peculiar e adequado às operações com o Fiagro para que este seja, deveras, mais uma importante modalidade de investimento e desenvolvimento do país, sobretudo, em época de crise, para a cadeia do agronegócio.
Bem por isso, seguindo as premissas e a bases legislativas já existentes para o FII, há adição do artigo 16-A, §5º, na Lei nº 13.668/1993, em que, acertadamente, reconhece a inexistência de IR Fonte para as aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável, para hipótese das aplicações efetuadas pelo (Fiagro, de que trata o artigo 20-A dessa lei, nos ativos relacionados nos incisos IV e V do caput do artigo 3º da Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004.
Por sua vez, o Fiagro não estará sujeito à tributação de ganho de capital e rendimentos, como regra, uma vez que são os investidores, na hipótese de acréscimo patrimonial efetivo e concretizado é que sofrerão a tributação.
Nesse sentido, há incidência do imposto sobre a renda na fonte à alíquota de 20%, quando distribuídos os rendimentos ou ganho de capital (artigo 20-C, do PL que altera a Lei nº 8.668/93).
Da mesma forma incidirá o IR Fonte à alíquota de 20% no caso de resgate das cotas e, nos demais casos, seguirá as normas aplicáveis ao ganho de capital ou ganhos líquidos em operações de renda variável (artigo 20-D do PL).
Com relação à constituição de referido fundo e a integralização de bens e direitos, inclusive, imóveis, traz o legislador importante instrumento para incentivar a criação destes, ao diferir (postergar, mas não isentar) o ganho de capital sobre o imóvel rural integralizado por pessoa física ou jurídica, de tal sorte que referido acréscimo patrimonial será tributado quando do momento da venda das cotas ou por ocasião do resgate, no caso de liquidação do fundo (artigo 20-E, do PL).
Trata-se de disciplina tributária da mais alta importância prática, pois é natural que não nos pareça razoável exigir que o investidor para uma atividade voltada ao agronegócio tenha, como ponto de partida, uma tributação a título de ganho de capital.
Seria uma evidente barreira e desestímulo a qualquer investidor no presente momento realizar este tipo de operação, podendo, com isso, prejudicar a própria finalidade da criação do Fiagro.
Nunca se deve olvidar da necessidade de uma tributação diferenciada para o agronegócio, como já exposto, além da importância em se estruturar o instituto para que este efetivamente seja um instrumento de altos investimentos e desenvolvimento.
Ainda cabe lembrar inexistir isenção ou qualquer forma de exoneração de referida tributação, sendo tão somente um diferimento, para que o ganho seja tributado em momento posterior e mais adequado às peculiaridades e necessidades práticas do Fiagro, não sendo possível falar em renúncia fiscal.
Por fim, referido projeto de lei, de forma acertada e adequada, partindo da noção de isonomia com os demais fundos, altera o artigo 3º da Lei nº 11.033/2004, com nova redação ao inciso III, bem como parágrafo único, prevendo isenção do imposto sobre a renda:
“(…)
III – na fonte e na declaração de ajuste anual das pessoas físicas, os rendimentos distribuídos pelos Fundos de Investimento Imobiliário e pelos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro) cujas cotas sejam admitidas à negociação exclusivamente embolsas de valores ou no mercado de balcão organizado;
(…)
Parágrafo único. ……………………
I – será concedido somente nos casos em que os Fundos de Investimento Imobiliário ou os Fiagro possuam, no mínimo, 50 (cinquenta) cotistas;
II – não será concedido ao cotista pessoa física titular de cotas que representem 10% (dez por cento) ou mais da totalidade das cotas emitidas pelo Fundo de Investimento Imobiliário ou pelos Fiagro, ou ainda cujas cotas lhe derem direito ao recebimento de rendimento superior a 10% (dez por cento) do total de rendimentos auferidos pelo fundo”.
Tem-se, nesse ponto, na linha do fundo imobiliário, a possibilidade de isenção para investidor pessoa física na distribuição de rendimentos, quando: 1) negociado em bolsa ou balcão organizado; 2) mínimo de 50 cotistas; 3) cada pessoa física titular de cotas que representem 10% ou mais da totalidade das cotas emitidas pelo Fiagro; ou, ainda, 4) cada pessoa física cujas cotas lhe derem direito ao recebimento de rendimento superior a 10% do total de rendimentos auferidos pelo fundo.
Enfim, não resta dúvida da relevância econômica e social para o país, principalmente para a cadeia do agronegócio, não se revelando o tratamento isonômico e peculiar do Fiagro para fins fiscais qualquer renúncia fiscal.
Desse modo, de fundamental importância pra o desenvolvimento do setor, respeito às suas peculiaridades e tratamento equânime com outros fundos, a tributação ora apresentada, inexistindo inconstitucionalidade ou mesmo ausência de interesse público, capaz de justificar eventual veto, em qualquer um dos dispositivos, dada a harmonia e imprescindibilidade para a adequada aplicação do Fiagro.
Fonte: Conjur com Fábio Pallaretti Calcini e Renato Buranello.