Para se tornar uma “true corporation”, a Vale está sugerindo inovações de governança e na forma de eleger o conselho de administração. A mineradora pretende lançar algo novo no país: o voto contra na definição de conselheiros – hoje é aplicado apenas o voto a favor.

Para tornar isso possível, a formação desse colegiado sempre será feita vaga a vaga e não mais por chapa completa. A mudança pode definir os rumos da gestão da empresa, especialmente, na próxima formação do conselho, que será votada no mês de abril.

Em uma companhia sem um sócio majoritário, o conselho de administração é a instância máxima de poder. Só se submete à assembleia de acionistas, mas que não define o dia-a-dia do negócio.

Todas as previsões para esse mecanismo estão em um novo estatuto social, que será levado aos acionistas para votação em assembleia marcada para 1º de março. Até hoje, no Brasil, os acionistas votam a favor de um conselheiro ou de uma chapa. No máximo, há abstenções. Mas não há regra nem vida cotidiana prática registrada sobre a recusa de alguém.

A proposta está dividindo opiniões entre aqueles que já leram os documentos da empresa. A nova regra deve valer para a definição do conselho que será eleito na assembleia ordinária deste ano, prevista para abril.

Vale

Vale é a maior empresa da bolsa brasileira. Está avaliada em R$ 465 bilhões. Sozinha, equivale a 9,15% de toda a B3. Para completar, as ações da mineradora respondem por 12% da composição do Índice Bovespa — a cesta de principais papéis que ditam se a bolsa caiu ou subiu. O que a companhia faz ou deixa de fazer com sua governança, portanto, interessa até mesmo a quem não investe em suas ações.

Os maiores acionistas da Vale são os fundos de pensão Previ, Petros, Funcef, Bradespar e Mitsui. Pela sequência, estamos falando aqui dos três maiores fundos de pensão estatais do país — a previdência dos funcionários do Banco do Brasil, da Petrobras e da Caixa — mais o braço de participações do Bradesco e um dos maiores conglomerados japoneses de infraestrutura.

Juntos eles somam pouco menos de 21% do capital total da Vale. BNDES compunha o grupo – fazendo esse percentual ser mais alto. Porém, o banco de fomento vendeu seus papéis na bolsa ano passado.

Voto contrário

A ideia do voto contrário surgiu como resultado do trabalho do comitê de nomeação — uma dobradinha entre Pedro Parente e Alexandre Silva, constituído para formar a lista do conselho que será levada à votação neste ano, com mandato até 2023 (você já vai entender isso melhor mais à frente).

Fontes próximas ao trabalho apontam que Parente e Silva retornaram com esse “desejo” das interações com acionistas, em especial, estrangeiros. José Maurício Pereira Coelho, presidente da Previ, é presidente do conselho da Vale e membro do comitê, formado em julho do ano passado.

Parente e Silvia não são conselheiros da Vale. Ambos têm extensa reputação corporativa. Parente foi presidente da Petrobras e da BRF, além da Bunge. Silva é presidente do conselho da Embraer e membro do colegiado da Ultrapar.

“O acionista, no Brasil, pode votar contra tudo, menos contra indicações do conselho”, comenta uma fonte envolvida com o assunto. A Lei das Sociedades por Ações não prevê o voto contra nessa matéria — ou em qualquer outra. Simplesmente não trata do assunto.

Nos Estados Unidos, que é sempre usado como referência quando o assunto são as corporations, muitas empresas adotam um sistema conhecido como “majority vote”. Basicamente, ele computa os votos da maioria pelo líquido entre a favor e contra, como quer fazer a Vale.

A definição do texto para o novo estatuto da Vale surgiu a partir das trocas de opiniões entre dois dos nomes mais badalados advogados do direito societários brasileiro: Paulo Aragão e Nelson Eizirik. Ambos acostumados a trabalhar principalmente para acionistas controladores. Aragão é contratado do comitê e Eizirik, do conselho de administração. Eles que colocaram de pé as ideias e planos trazidos pelo comitê de nomeação.

Mudanças

Em 2017, a Vale entrou em uma rota de mudança completa em sua governança. Assim a coisa foi anunciada — inclusive, como fruto da mudança política no país. A companhia, mesmo privatizada, continuava alvo de influência política, principalmente, em razão da base de acionistas indiretamente estatais. Não era raro até bem pouco tempo atrás, o presidente da República ter muitas opiniões sobre quem deveria ou não ser o presidente da empresa.

O leilão de privatização da Vale ocorreu em maio de 1997. A companhia aderiu ao Novo Mercado da B3, portanto, vinte anos depois. A iniciativa fez com que seus controladores (o bloco dos fundos de pensão, Bradespar e Mitsui) fossem diluídos na conversão de ações preferenciais por ordinárias e se tornassem um grupo importante, porém, sem maioria absoluta do capital.

Foi feito, então, um acordo de acionistas para transição do modelo de propriedade. Esse acordo venceu em novembro do ano passado.

A eleição do conselho de 2021 representa o primeiro ato de uma Vale realmente sem dono. Por isso, o trabalho para escolha dos nomes contou com o trabalho do comitê. A migração para o Novo Mercado foi apresentada como uma coroação da privatização: a pulverização do controle e a máxima democratização do capital, uma empresa dividida entre todos.

Mas, entre os críticos à proposta do novo estatuto, há quem diga que a iniciativa vai justamente na contramão desse processo. Isso porque as novidades são vistas como algo que têm potencial para auxiliar o grupo atual a se manter no poder, pela possibilidade do uso do voto contrário na bloquear mudanças.

Pela redação do estatuto a ser votado, um membro do conselho para ser lançado precisa ter de cara consciência de que ou tem mais de 21% do capital de aceitação ou não possui essa rejeição. Essa é a crítica. O grupo de ex-controladores já está organizado e habituado a atuar “em bloco”. Enquanto o restante do mercado pode ter mais dificuldade para se organizar.

Essa preocupação surgiu até mesmo dentro do próprio conselho da Vale. Marcelo Gasparino e Isabella Saboya foram contra a proposta do novo modelo e deixaram os voto registrado separadamente.

Mas a questão não incomodou a todos no mercado. Muitos não acreditam que os 21% dos ex-controladores possam impedir mudanças. Além disso, apontam que rejeitar alterações ou inclusões por interesses próprios causariam muita exposição. E entendem que rejeitar alguns nomes pode ser bom em determinadas situações.

Entre os grandes acionistas da Vale, além dos ex-controladores, há nomes de peso da gestão de recursos internacional: Black Rock, Capital World Investors, Capital Research Investors. Somados, eles têm praticamente 16% da empresa.

Fonte: Exame