Devido ao cenário de incertezas no setor doméstico, a janela de ofertas públicas de ações (IPO, na sigla em inglês) de abril começou com os investidores utilizando seu poder de barganhar preços.

Na terça-feira, 6, duas empresas chegaram ao momento de definir o valor da operação, entre elas, a LG Informática, que optou por não levar a oferta adiante. Entretanto, a Dasa aceitou o desconto e concluiu a operação.

O responsável pelas áreas de mercado de capitais e renda variável do Citi, Marcelo Millen, revela que o contexto atual é de um mercado seletivo para ofertas. Como por exemplo, a instabilidade do cenário doméstico pela questão fiscal e ainda em função do agravamento da pandemia.

Do lado do investidor, acrescenta, há tanto um pouco de saturação quanto desgosto com operações recentes. “O que não tem ajudado em nada é a performance fraca na bolsa dos IPOs que estrearam em janeiro e fevereiro, com raras exceções”, diz Millen.

Por hora, existem dez IPOs lançados, incluso Dasa e LG. Mas a janela contou com aproximadamente 50 operações em análise na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Essas empresas, até mesmo para decidir se lançariam ou não a operação, marcaram reuniões com investidores para apresentar o negócio. Por isso, a saturação do mercado e a falta de braço para acompanhar tantas operações.

Sem citar ofertas específicas, Millen comenta que a volatilidade atual do mercado é o que mais atrapalha na hora de concluir um IPO.  “A operação é apresentada com uma faixa de preços a partir de um racional para o negócio. E se há muito sobe e desce de cotações, perde-se a referência daquela faixa de preço inicial”, explica.

Nesse cenário, acrescenta o executivo do Citi, o investidor está somando tudo isso e utilizando seu poder de barganhar preço, o que não tem nada a ver com a qualidade das companhias. “É uma dinâmica de momento de mercado, em que a instabilidade favorece o poder do investidor de pedir o desconto. As operações que forem lançadas estarão sujeitas a isso”, afirma Millen.

A LG Informática, por exemplo, buscava R$ 900 milhões. Nas primeiras semanas da oferta, dizem fontes, até encontrou interessados na operação, mas as ordens não foram confirmadas no momento do encerramento do livro da oferta. A empresa chegou a sondar os investidores se haveria apetite com um desconto de 15%, mas nem assim conseguiu o volume pretendido.

A Dasa também teve de baixar um pouco as expectativas. A empresa chegou a sinalizar uma faixa de preços entre R$ 64,90 e R$ 84,50. Todavia, na manhã de terça-feira, 6, divulgou uma nova faixa, entre R$ 56,75 e R$ 60. Mas, ao fim do dia, com ordens de investidores estrangeiros, fechou a operação a R$ 58 e levantou R$ 3,8 bilhões.

Outro investidor afirma que gostou do negócio que viu, mas concordou que o “valualtion” inicial estava muito elevado. Ele reclamou também da concentração de ofertas do setor de saúde nessa temporada. Da lista que está lançada, metade tem ligação com o segmento: são duas redes hospitalares, Mater Dei e Care; uma distribuidora de medicamentos, a Viveo, também da família Bueno; além da Blau Farmacêutica. Além dessas novidades, a Hapvida, já conhecida dos investidores, prepara uma oferta subsequente, que pode movimentar entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões.

A aposta dos bancos de que haverá demanda para tantas operações está na resiliência do setor e na pouca representatividade na bolsa hoje. Mas isso vai depender, de novo, do humor dos investidores e da disposição dos empresários em aceitar descontos.

Num cenário assim, de instabilidade, afirma uma fonte de banco de investimentos, o momento é mais favorável para as histórias conhecidas, de empresas com boa governança e gestão, e principalmente, para as operações maiores. “Os investidores estão colocando mais incertezas com a questão interna nos modelos. Mais risco leva a descontos maiores para entrar nas operações. Aqueles empresários que acharem que não precisam dos recursos agora, podem esperar por outra oportunidade mais à frente”, afirma o executivo.

Para ele, o cenário de juros mais baixos mudou a leitura das janelas para as operações. “Com juros de dois dígitos, a empresa quando decidia pelo IPO tinha urgência em vir a mercado, pois a janela poderia fechar e ninguém saberia dizer quando é que ela reabriria. Mas nesse ambiente de juro real mais baixo, me parece que vamos ter janelas de mercado mais duradouras. Ou, ainda que fechem, vão reabrir mais rapidamente”, afirma.

A questão do tamanho da operação importa para que o investidor fique mais tranquilo em relação à liquidez das ações na bolsa; ou seja, enxergue uma porta para a saída do investimento.

Millen, do Citi, se diz otimista com o mercado e também aponta um momento de mudança estrutural, com o juro em patamar mais baixo, e a migração dos investidores da renda fixa para a variável, que tem alimentado a criação de muitas gestoras de ações.

Fonte: Valor Investe.