Um levantamento realizado pelo Núcleo de Tributação do Insper publicado em julho deste ano revela que o contencioso tributário do Brasil alcança 73% do PIB brasileiro, segundo dados de 2018. O volume é muito superior à média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, bem como dos países da América Latina.

O sistema tributário brasileiro conta com diversos problemas. O diagnóstico difere de acordo com o enfoque dado pelo intérprete. Uns culpam a regressividade, outros a complexidade e assim em diante. Consequentemente, são diversas as sugestões de reforma tributária, a maior parte delas com foco na tributação do consumo. Todavia, as mudanças sugeridas nesses projetos não resolverão o grave problema do contencioso tributário. Entre essas diversas propostas, se destacam que forma unânime os desejos de simplificação, transparência, melhoria do ambiente de negócios e segurança jurídica.

O atual panorama é de incertezas, gerado tanto pela imprevisível jurisprudência dos tribunais, quanto pelas alterações de critérios jurídicos da administração tributária. As conhecidas “teses” tributárias demoram anos para ser decididas e, quando decididas, dão origem a novas controvérsias. Exemplo disso é a inconstitucionalidade do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, que implicará outras divergências entre o Fisco e os contribuintes: discussões administrativas sobre forma de apuração dos créditos, novas ações judiciais para exclusão de outros tributos cobrados “por dentro”, questionamentos quanto aos índices de correção monetária dos créditos e o momento de reconhecimento de receita.

O histórico da relação entre os contribuintes e o Fisco demonstra a falta de confiança, boa-fé e transparência. A generalização de comportamentos coloca-os em polos opostos. A administração enxerga os contribuintes como sonegadores contumazes e os contribuintes veem o Fisco como inimigo, como um sócio preguiçoso e mal intencionado.

Entretanto, essa não é a realidade. Certamente que há alguns contribuintes que agem intencionalmente de forma a lesar o erário, mas ouso dizer que a maioria tem dificuldades reais para interpretar a legislação tributária e atender todas as obrigações assessórias.

De outro lado, muitas vezes os contribuintes revoltam-se por pagar muito e receber pouco em troca. Nesse ponto, devemos lembrá-los que o pagamento de tributos é exigência mínima e indissociável de todas organizações sociais civilizadas, bem como do Estado democrático social de Direito preconizado no preâmbulo de nossa Constituição Federal. O destino do produto da arrecadação tributária deve respeitar as normas constitucionais, os interesses públicos e todos os princípios do artigo 37 da Constituição Federal. Para coibir o mal uso de recursos públicos, o cidadão deve denunciá-lo às instituições que têm poder de polícia, como o Ministério Público e a Polícia Federal.

Fisco e contribuintes não devem ser inimigos em combate, mas colaboradores para o desenvolvimento econômico do país. Para tanto, a Receita Federal do Brasil deveria dar ênfase em medidas educativas e divulgar informações tributárias e aduaneiras de forma transparente como preconiza seu Regimento Interno (Portaria 284/2020).

Um importante passo para mudança de postura seria a adoção de meios alternativos de solução de controvérsia.

Essa questão foi tratada no âmbito internacional no Projeto Base Erosion Profits Shifting — BEPS, da OCDE, Ação 14. O texto dos tratados para evitar a dupla tributação, em seu artigo 25, já previam um procedimento amigável entre os Estados signatários para resolver eventuais conflitos. Contudo, a OCDE observou a necessidade de torná-los mais efetivo e recomentou a adoção da arbitragem.

A União Europeia também estabeleceu regras para solução de disputas tributárias mediante a arbitragem (Diretiva 2017/1852). A Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Japão, Luxemburgo, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Polônia, Eslovênia, Espanha, Suécia, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos da América já se comprometeram a implementar arbitragem para resolver os conflitos de direito tributário internacional.

Nos membros da OCDE o procedimento amigável e a arbitragem têm sido utilizados com sucesso para tratar de questões relativas a preços de transferência e qualificação de rendimentos. As disputas que envolvem preços de transferência, em geral, são maioria dos casos, demandam o dobro do tempo até a decisão final, exigem conhecimento técnico e envolvem informações confidenciais das empresas.  A arbitragem tributária revelou-se uma excelente alternativa para conferir celeridade e sigilo aos contribuintes.

Atualmente, há duas propostas para implementação da arbitragem tributária. Confira:

PL 4.257/2019 PL 4.257/2019
Objeto Execução judicial garantida por dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia. No curso da fiscalização (antes do lançamento) para interpretação e para quantificar créditos dos contribuintes decorrentes de decisões judiciais passadas em julgado.
Limite Cada árbitro só pode julgar um processo do mesmo grupo econômico por ano. 3 árbitros qualificados, com titulação compatível.
Procedimento Incorpora-se à lei das execuções fiscais, no julgamento dos embargos à execução. Bastante detalhado, assemelha-se à arbitragem da Lei 9.307/96 e segue os moldes da OCDE e da Diretiva EU 2017/1852.
Anulação Se divergente de precedentes vinculantes do STF e STJ. Nulidades do compromisso, impedimento do arbitro e comprovação de prevaricação, concussão ou corrupção passiva.

 

Assim como a transação implementada pela Lei nº 13.988/2020, a arbitragem na esfera tributária será benéfica para a Administração Pública e para os contribuintes, por representar um método eficaz, célere e mais simples para conferir segurança jurídica na interpretação e aplicação das leis tributárias. Por isso, é de se comemorar o Projeto de Lei 4468/2020 da Senadora Daniella Ribeiro, que certamente representará para o contencioso tributário o mesmo avanço que tivemos com a arbitragem da Lei 9.307/96. Como se denota, os projetos não são excludentes, mas complementares. A implementação da arbitragem tributária pode ser um grande passo para a redução do contencioso.

Fonte: ConJur