Compensação de ICMS em bonificação não exige prova

Por unanimidade, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que não viola o artigo 166 do Código Tributário Nacional (CTN) a compensação do ICMS sem a prova de que não houve o repasse econômico do imposto.

A decisão, tomada no início do mês, é relevante para os contribuintes que praticam a bonificação, modalidade de desconto que consiste na entrega de uma maior quantidade de produtos em vez de conceder uma redução no valor da venda – a conhecida promoção “pague 1, leve 2”.

O caso tratou de uma ação rescisória por parte da Fazenda do Rio Grande do Sul que buscou desconstituir decisão judicial favorável a um contribuinte. A decisão foi no sentido de que o ICMS não deveria ser exigido sobre mercadorias dadas em bonificação. (AREsp 1.05.387/RS)

De acordo com a Fazenda, houve desrespeito ao artigo 166 do CTN, que exige prova de que o vendedor assumiu o encargo econômico da mercadoria para a restituição do tributo. Ocorre que são raras as vezes em que o contribuinte consegue comprovar que não houve o repasse do preço do ICMS na venda da mercadoria.

“Como não há contraprestação financeira em relação às mercadorias dadas em bonificação, a ensejar a possibilidade de repasse do encargo financeiro do tributo indevidamente cobrado do contribuinte de direito (vendedor), não é possível chegar à conclusão de que a decisão rescindenda tenha afrontado a jurisprudência do STJ então firmada acerca da aplicação do artigo 166 do CTN”, afirmou o ministro Gurgel de Faria, em seu voto.

O magistrado também esclareceu que a dispensa da prova de não repasse para o reconhecimento do direito à devolução do ICMS no caso específico das bonificações não pode ser considerada como manifestamente ilegal, pois há julgamento na Primeira Turma que reconheceu a inexistência do repasse econômico do tributo nestas situações (REsp 1.366.622/SP).

A mercadoria de bonificação é dada ao consumidor, ou seja, o sujeito paga uma quantidade que sobre ela existe tributo e leva um produto a mais pelo mesmo preço. Isso significa que, embora a empresa tenha dado essa mercadoria a mais, ele teve que tributar como se a tivesse vendido.

Se o valor da mercadoria é de R$ 100 e o contribuinte pagou R$ 18 de ICMS sobre uma mercadoria bonificada, seria possível entrar com ação de repetição de indébito, pois não houve receita com a venda do produto.

 

 

Facilidade para o contribuinte

De acordo com os advogados ouvidos pelo JOTA, a decisão do STJ foi acertada. “Decisão absolutamente correta, tecnicamente fundamentada, que fez a distinção perfeita do caso concreto”, afirma o advogado Igor Mauler Santiago, sócio do Sacha Calmon- Misabel Derzi Consultores e Advogados.

Para Santiago, a decisão tem um efeito multiplicador importante. “Pelo didatismo que chama atenção aos limites do artigo 166, que virou uma espécie de panaceia que as Fazendas Públicas invocam em toda discussão de ICMS”, acrescenta.

São excepcionais as hipóteses em que o vendedor da mercadoria de fato assume o ônus efetivo do ICMS e, quando isso ocorre, dificilmente ele consegue comprovar que não houve repasse econômico ao comprador, pois o valor do ICMS vai destacado na nota fiscal.

“Apesar dessa decisão ter sido acertada, ela vai permitir que inúmeros contribuintes nessa situação possam buscar a repetições desses valores. As hipóteses de restituição do ICMS do contribuinte de direito continuam sendo restritas, porque o enunciado do artigo 166 ainda se aplica para a imensa maioria dos casos”, opina o advogado Marcos Maia, sócio do escritório Maneira Advogados.

Para o advogado tributarista da Peixoto & Cury Advogados, Felipe Dalla Torre, a decisão foi acertada também por causa da parte relativa ao artigo 13, § 1º da Lei Kandir (LC 87/96).

Pela lei, a base de cálculo do ICMS é o valor da operação mercantil, ou seja, só devem ser tributados os valores efetivamente cobrados das mercadorias que foram vendidas. Dessa forma, aquilo que não possui expressão econômica – como uma mercadoria bonificada – não poderia ser equivalente a uma operação mercantil.

Dalla Torre esclarece que a mercadoria bonificada é equivalente a um desconto incondicional, ou seja, não é vinculado a uma condição futura. O desconto incondicional é concedido ao cliente em razão da quantidade de mercadorias vendidas, como queima de estoque e marketing para estimular vendas. Existe o interesse do vendedor por trás do desconto, mas o cliente não precisa fazer nada para obtê-lo.

Histórico do desconto incondicional

Se hoje há discussão sobre a incidência ou não do ICMS sobre mercadorias bonificadas, antigamente o debate era se a mercadoria bonificada poderia ou não ser considerada desconto incondicional.

Antes da Lei nº 10.619/2000, o Fisco paulista só entendia como incondicional o desconto feito em dinheiro – o desconto concedido por meio de mercadoria era chamado abatimento -, e ambos poderiam ser excluídos da base de cálculo do ICMS.

Com a entrada em vigor da lei, a expressão abatimento foi retirada da norma, o que gerou dúvida entre os contribuintes: poderiam ou não excluir os abatimentos da base de cálculo do tributo?

Por meio da decisão normativa CAT-04/2010, a Fazenda de São Paulo entendeu que as mercadorias bonificadas não poderiam ser excluídas da base de cálculo do ICMS por não serem consideradas descontos incondicionais, mas sim abatimentos.

O impasse surgiu com a Lei Complementar 87/96 no artigo 13, § 1º, pois enunciava que só incidia o tributo nos descontos oferecidos com condição, não falando se as mercadorias oferecidas em forma de bonificação integravam o desconto incondicional.

“Desconto incondicional pode ser uma unidade física do produto que corresponde por todos motivos a um desconto incondicional. É a mesma coisa vender treze ovos pelo preço de 12 ou dar o desconto em dinheiro. Não faz sentido tirar o conceito do desconto incondicional da mercadoria”, esclareceu Dalla Torre.

Com essa divergência, foi decidido pelo ST, no REsp 1.111.156 SP, que a mercadoria dada em bonificação é sim desconto incondicional.

Posteriormente, se iniciou a discussão que foi resolvida pelo STJ, sobre a possibilidade de pedir a repetição de indébito dos valores inclusos na base de cálculo do ICMS, referentes à descontos incondicionais.

“Nisso entra a questão do artigo 166 e, voltando o STJ, não há que se falar de observância ao artigo. O cliente não arca nem com o preço da mercadoria nem do imposto, então não precisa comprovar que o vendedor assumiu o ônus se o cliente não pagou nada em decorrência dessa mercadoria bonificada”, conclui o advogado.

via Jota.

 


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