Filho e neto de ferreiros, Clovis Tramontina é personagem de uma das trajetórias empresariais mais impressionantes do país. Carismático, ele é o tipo de empresário que apostou nas relações com as pessoas para desenvolver lideranças e comanda uma empresa que nunca abriu mão de deixar a serra gaúcha. “As pessoas fazem seu projeto de vida aqui dentro”, disse em entrevista à EXAME durante visita às instalações principais da empresa.

A indústria nascida em Carlos Barbosa (RS) transformou-se numa potência, com 10 unidades fabris, mais de 10 mil funcionários, dezenas de lojas, escritórios e centros de distribuição, presença em mais de 120 países e um portfólio de 22 mil itens diferentes. Pesquisas com o consumidor mostram que a marca está presente em praticamente todos os lares do Brasil e virou sinônimo de qualidade.

Depois de 30 anos à frente da empresa centenária, ele passa o bastão para seu ex-vice presidente, amigo e sócio, Eduardo Scomazzon.

Mesmo sem o sobrenome Tramontina, Eduardo também tem a empresa na história da família. Ele é filho de Ruy Scomazzon, sócio e amigo de Ivo Tramontina, que formalizou e profissionalizou a empresa nos anos 50. “A empresa tem que continuar entregando aquilo que ela promete, que é qualidade. Outra coisa que eu acho que a comunicação moderna tem que pensar é: a empresa vai vender que tipo de valores?”, diz Clovis. O executivo também se gaba de a empresa ter se expandido sem necessidade de abrir capital, um fruto, segundo ele, do fácil acesso ao crédito e da reputação. “Nós temos muito crédito. Não houve necessidade de abrir capital. Muita gente já quis abrir o capital da Tramontina e nós dissemos não. E no futuro? Não sei”.

Aos 65 anos, a saída de Clovis do comando da empresa não significa uma aposentadoria, mesmo com o avanço da esclerose múltipla, que ele convive desde a juventude. Para o empresário, seu papel agora é de ajudar na formação de lideranças, sem as obrigações diárias de comandar a marca centenária. Veja abaixo a entrevista completa:

O que o senhor espera do Eduardo Scomazzon como presidente?

Eu sempre digo que ele é o maior QI da Tramontina. Ele é um sujeito que tem uma inteligência fora de série. E com certeza vai fazer uma coisa mais metódica do que eu. Eu sou mais divertido. Eu sou mais impulsivo, imediatista e emocional. E o Eduardo vai ser mais racional. Mas tem uma coisa importante. Nós dois valorizamos as pessoas, mas ele não vai ser um sujeito expansivo que nem eu. Ele é mais como o pai dele.

Quais são os planos do senhor para depois de sair da empresa?

Eu vou sair da presidência, mas eu não vou deixar de trabalhar. Como sinto falta de liderança, acho que eu tenho capacidade de começar a formar lideranças. Conversando com várias pessoas, eu vejo que faltam lideranças políticas e empresariais. Eu quero um cara que tenha valores, que pense no que pode contribuir. Quero líderes verdadeiros, que pensem em como a sociedade pode crescer. Não em crescer sozinhos.

A Tramontina tem uma cultura de clã e é uma empresa familiar que incentiva funcionários a indicarem pessoas da mesma família. Por isso é bom?

Imagine que tenha quatro pessoas da mesma família trabalhando e alguém decide fazer uma greve, por exemplo. Se para outros está tudo bem, eles vão perguntar por que um deles quer fazer greve. Existe uma questão forte do pertencimento e uma certa cobrança entre um e outro. Quanto melhor essa empresa for, melhor para todos nós. Por isso temos uma preocupação grande com a atuação na região. Quanto melhor for a cidade, melhor para os nossos funcionários. Algumas pessoas questionam se esse modelo de indicações não limita nosso crescimento e contratação, mas a gente oferece muita capacitação e oportunidades. As pessoas fazem seu projeto de vida aqui dentro.

Se o senhor não tivesse sido presidente, e antes um vendedor, que outra função o senhor se enxergaria fazendo na Tramontina, em uma dessas fábricas?

Tem duas áreas que eu gosto. A área comercial e de Recursos Humanos. Eu adoro pessoas. Se eu não fosse presidente, com certeza eu seria gestor de RH. As pessoas fazem a diferença. Se você não tiver uma equipe competente, você pode ter os melhores produtos, mas não daria certo.

Voltando 40 anos no tempo, a ida do senhor para São Paulo para conquistar novos clientes fez a Tramontina despontar na diversificação. Como o senhor entendeu que era esse o caminho?

A diversificação começou muito na intuição e espontaneamente. Meu pai e o seu Ruy uma vez foram para o japão e compraram um monte de aço inox e não sabiam o que fazer com o aço. Aí receberam a sugestão do engenheiro Mário Bianchi de fazer talheres. Em outra viagem, foram para a Itália comprar matrizes. Eles viram uma matriz de panela e o vendedor disse: ‘Ah, isso aí se o senhor quiser levar, leva. Coloca no pacote’. E meu pai disse trouxe. Assim começaram a fazer as panelas. Quando eu cheguei em São Paulo, eu criei um grupo de promotoras de vendas que apresentam os produtos e que também ouvia muito o consumidor para nos dizer como fazer e o que fazer. Nós estávamos já fazendo pesquisa científica sem saber. Empíricas, mas que se tornaram científicas.

Por que dar tanta autonomia para as fábricas? Nunca foi considerado um terreno só, com 10 unidades ali, por exemplo?

A fábrica é dos diretores, não é dos acionistas. A fábrica é do Waldir, do Felisberto… Na unidade Teec, por exemplo, que é de equipamentos e tecnologia para a cozinha, eles decidem o que fazer dentro desse segmento. A região aqui da Serra tinha uma empresa muito forte do setor metalúrgico na época do meu pai chamada Eberle. Era uma fábrica fantástica, que produzia de tudo. Motores, panelas, talheres e até espadas para a guarda da Presidência da República. Eles viram que aquilo estava virando um monstro. E quando nós fizemos a experiência de cada um se especializar na linha de produtos, vimos que dava muito certo. Uma unidade só não ia funcionar, com certeza. Cada uma tem seus próprios problemas e suas soluções. Se você tem um problema localizado, você não prejudica as outras. Trata daquela unidade especificamente, de forma pontual.

Fonte: Exame.

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