Há situações na vida corporativa de uma sociedade limitada que podem acarretar a saída de um dos sócios de seu quadro social, sem que haja, no entanto, a extinção da pessoa jurídica, que prosseguirá exercendo suas atividades com os sócios remanescentes. Tal prática é denominada de dissolução parcial de sociedade, sendo regulada pelo Código de Processo Civil em três hipóteses: (i) falecimento; (ii) exclusão; ou (iii) retirada de um dos sócios.
A dissolução parcial, seja ela forçada ou natural, não é, na maioria dos casos, o ponto central que costuma gerar conflito entre os envolvidos (embora isso também possa ocorrer em casos que visam à exclusão de um sócio). Com efeito, o ponto de discórdia costuma ser, como se vê na prática, de cunho financeiro, relacionado à avaliação do valor das quotas sociais do sócio excluído, denominado de “haveres”.
Para o fim de garantir a autonomia da vontade das partes, o Código Civil estabelece que a apuração dos haveres – que se define pelo levantamento dos valores referentes à participação do sócio que se retira ou que é excluído da sociedade – deve ser processada na forma prevista no contrato social, devendo prevalecer o princípio da força obrigatória dos contratos.
Contudo, muitas vezes o contrato social acaba não estabelecendo, de forma clara e expressa, o método pelo qual será feito esse levantamento, prevendo apenas que os haveres serão apurados em balanço a ser elaborado pela sociedade. E é exatamente nessa hipótese em que as partes acabam judicializando a questão, visando discutir os critérios a serem considerados em referido balanço para a apuração dos haveres.
Quanto ao tema, até pouco tempo atrás, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), capitaneada pelo julgamento do recurso extraordinário 89.464/SP pelo Supremo Tribunal Federal, e, mais recentemente, pelo julgamento do recurso especial 1.335.619/SP pelo próprio STJ, seguia o entendimento de que o critério econômico, em especial a metodologia do fluxo de caixa descontado (que traz em sua base de cálculo a previsão de rendimentos futuros da sociedade, mediante a aplicação de uma taxa de desconto), representaria a melhor forma para se apurar o valor de uma empresa e dos haveres.
Em outras palavras, havendo dissenso entre os sócios, a posição da Corte sinalizava que a apuração dos valores referentes à participação do sócio que se retirava da sociedade devia seguir o critério econômico do fluxo de caixa descontado.
Tal metodologia, então empregada pelo STJ, começou a ser difundida e seguida pelos tribunais ao redor do país. O Tribunal de Justiça de São Paulo (“TJ/SP”), por exemplo, de 2013 até o início de 2021, reconheceu, na maior parte dos acórdãos proferidos pelas câmaras empresariais sobre o assunto, que a aplicação do método do fluxo de caixa descontado seria o mais correto para a apuração de haveres, sob o argumento de que tal método refletiria a melhor forma de avaliação dos ativos da sociedade.
Contudo, essa corrente, que parecia cada vez mais se firmar na esfera jurisprudencial, acabou sendo modificada em abril deste ano, por ocasião do julgamento do recurso especial 1.877.331/SP, ocasião em que o STJ decidiu que a “metodologia do fluxo de caixa descontado, associada à aferição do valor econômico da sociedade, (…), por comportar relevante grau de incerteza e prognose, sem total fidelidade aos valores reais dos ativos, não é aconselhável na apuração de haveres do sócio dissidente”.
Segundo o voto condutor do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a metodologia do fluxo de caixa descontado serviria, em verdade, para se aferir o valor econômico da sociedade para o fim de sua alienação para terceiro, mensurando o quanto seria racional alguém pagar para se tornar o seu titular. Em razão disso, o critério patrimonial, calculado com base em balanço de determinação, seria o mais apropriado para a apuração dos haveres do sócio falecido ou retirante, nas hipóteses de dissolução parcial de sociedades. Nesta hipótese, simula-se a realização de todos os bens do ativo e a satisfação do passivo social, para mensurar quanto seria o acervo líquido da sociedade, caso ela fosse totalmente dissolvida e liquidada naquela data, levando-se em conta o seu valor patrimonial.
A 2ª Câmara Empresarial do TJ/SP, atenta às mudanças no posicionamento do STJ, afastou a aplicação do critério do fluxo de caixa descontado para a apuração de haveres em recente julgamento, aduzindo que tal método pode ensejar consequências prejudiciais ao futuro da empresa, como, por exemplo, (i) o desestímulo ao cumprimento dos deveres pelos sócios minoritários, (ii) o incentivo ao exercício do direito de retirada, desestabilizando a empresa, e (iii) o enriquecimento indevido do sócio desligado, vez que este receberá parte dos lucros futuros a serem obtidos sem a sua participação. Por conta disso, o TJ/SP determinou que a apuração dos haveres deve ser feita pelo valor patrimonial da sociedade, com base em balanço de determinação.
Assim, conquanto a jurisprudência viesse se consolidando pela aplicação do método do fluxo de caixa descontado para fins de apuração de haveres devidos ao sócio falecido ou retirante, verifica-se, desde já, em razão do novo acordão do STJ que afastou essa possibilidade, uma mudança de posicionamento, estipulando-se que, na omissão do contrato social e havendo dissenso entre os sócios, a apuração dos haveres deverá ser apurada com base no valor patrimonial da sociedade, a ser calculado em balanço de determinação que não poderá levar em consideração rendimentos futuros.
Fonte: Migalhas.