Através do mercado financeiro, o setor agrícola dribla leis, amplia a desigualdade, aumenta a crise ambiental e envia lucros para o exterior. Investir no agronegócio brasileiro não se resume mais à compra de terras, sementes ou gado. Atualmente, significa aplicar parte de uma poupança em títulos financeiros e obter rendimentos posteriormente. A financeirização do setor agrícola tem crescido, impulsionada pelo interesse crescente de investidores urbanos nos lucros do setor e pela vontade dos agricultores em expandir seus negócios.
O Ministério da Agricultura registrou um aumento significativo no patrimônio total de instrumentos financeiros privados destinados ao apoio ao agronegócio. Em dois anos, esse montante mais que dobrou, passando de R$ 383 bilhões no final de 2021 para R$ 953 bilhões em dezembro de 2023. Esse valor é certamente três vezes maior que o montante de financiamento previsto no Plano Safra 2023/2024, principal fonte de apoio governamental ao agronegócio.
Os instrumentos financeiros privados utilizados no setor incluem cédulas de produto rural (CPRs), letras de crédito do agronegócio (LCAs), certificados de direitos creditórios do agronegócio (CDCAs), certificados de recebíveis do agronegocio (CRAs) e o saldo dos Fundos de Investimento em Cadeias Agroindustriais (Fiagros). Apesar de terem sido criados para reduzir a dependência do financiamento público, esses instrumentos não cumpriram completamente esse objetivo e agravaram problemas existentes na produção agrícola, além de criarem novos.
No entanto, é importante destacar que alguns desses instrumentos financeiros não resolvem questões relacionadas à oferta de crédito e têm impactos negativos na estrutura agrária.
A financeirização do setor pode permitir que estrangeiros adquiram terras no Brasil através dos Fiagros, contornando restrições legais e flexibilizando excessivamente a legislação.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) critica a financeirização do agronegócio, apontando que os recursos destinados ao setor não beneficiam adequadamente a agricultura familiar. A concentração dos recursos no agro em detrimento da agricultura familiar gera desigualdades e impactos negativos na produção alimentar nacional.
Os instrumentos financeiros utilizados no agro visam principalmente o retorno econômico imediato, sem considerar a sustentabilidade ambiental ou social. Isso pode resultar em práticas como monoculturas extensivas voltadas para exportação, aumento da concentração de terras, desemprego no campo e violência contra comunidades tradicionais.
Além disso, a exportação dos lucros gerados no setor agrícola para o exterior através dos rendimentos financeiros prejudica os investimentos internos necessários para fortalecer a cadeia produtiva nacional. A falta de incentivos para desenvolver indústrias locais de insumos agrícolas, como fertilizantes e sementes, evidencia a vulnerabilidade do país frente às dinâmicas do mercado internacional.
ENTENDA:
CPR – é uma cédula de produto rural. Por meio dela, um produtor rural ou cooperativa compromete-se a entregar uma certa quantidade da sua produção em troca de um adiantamento de recursos. É como um empréstimo pago em soja após a colheita;
LCA – a letra de crédito do agronegócio é um título emitido por um banco para levantar recursos para financiamentos agrícolas. Um investidor empresta dinheiro ao banco a uma certa taxa de juros comprando uma LCA. O banco, por sua vez, usa esse recurso para conceder empréstimos para o agronegócio.
CDCA – o certificado de direitos creditórios do agronegócio é um título vinculado a negócios realizados entre produtores rurais. Esse título é negociado no mercado. Assim, um produtor pode vender um título de algo que tenha a receber daqui um ano, por exemplo, para antecipar recursos e financiar sua produção.
CRA – o certificado de recebíveis do agronegócio é um título emitido por uma cooperativa ou empresa do agro. Por meio dele, o emissor promete pagar determinado valor, num determinado prazo, ao comprador do papel. As cooperativas usam CRAs para obter dinheiro no mercado e não precisar recorrer a empréstimos.
Fiagro – Fundo de investimento em cadeias agroindustriais é uma poupança de vários investidores interessados em lucrar com o agro. Por meio da administração de um gestor do fundo, a poupança é aplicada na compra terras, associa-se a empresas do setor ou mesmo compra CRAs, CPRs ou LCAs.
No caso dos Fiagros voltados à compra de terras, Baccarin afirmou que eles tendem a elevar o preço de propriedades no país. “Se há uma captação crescente de recursos financeiros pelo Fiagro, tende a ocorrer uma inflação dos preços de arrendamentos e de venda da terra”, disse.
Tributação
Alguns investimentos em instrumentos financeiros para apoio do agro, como em LCAs e Fiagros, têm rendimentos isentos de Imposto de Renda.